Do 31 de Janeiro ao 5 de Outubro
A propósito do centenário da implantação da República

Começaram no domingo, no Porto, as comemorações oficiais do centenário da implantação da República em Portugal. A escolha da data foi uma homenagem à luta dos republicanos. No Porto, em 31 de Janeiro de 1891, deu-se a primeira tentativa de implantação da República com a intervenção de militares e de dirigentes do Partido Republicano Português. Até 5 de Outubro de 1910, data em que os republicanos foram finalmente bem sucedidos, a luta pela mudança de regime em Portugal teve sucessos e frustrações, momentos de expansão e de contracção. Momentos como os das manifestações académicas contra a ditadura de João Franco, chefe de Governo, o ‘Golpe do Elevador da Biblioteca’, o regicídio de Carlos de Bragança, estes dois últimos no princípio do ano de 1908, constituem, a par do 31 de Janeiro de 1891 e de outros acontecimentos, passos de um longo processo que levou à implantação da República. Como é redutor fazer passar a ideia de que a mudança de regime político foi um acontecimento daquele dia 5 de Outubro, ou dos dias anteriores, está de parabéns a Comissão para a Comemoração do Centenário da República ao sublinhar a dimensão do processo que se tornou visível aos olhos do público dezanove anos antes, em 31 de Janeiro de 1891.

República Portuguesa (Plenário da Assembleia da República, obra de Anjos Teixeira)
Faz todo o sentido, haverá até urgência, em comemorar a República. Isto não é o mesmo que dizer que há necessidade, justificação, até, para exaltar a I República e algumas opções tomadas nessa época. Ao fim de trinta e seis anos de democracia pluripartidária e de Estado de Direito, de vivência plena da República, ao mesmo tempo que nos é dito que há uma crise de valores, que obrigará a medidas na adaptação do sistema político, é necessário debater a República, e perceber o que é a República moderna para a qual devemos caminhar nos dias de hoje.
Entendemos que faz sentido haver uma comemoração nacional do centenário da República e que, nessa circunstância, faz sentido haver comemorações locais, ao nível das freguesias, por iniciativa popular e ou das Juntas, e, também, ao nível de todo município, promovidas pela comunidade e ou pela Câmara Municipal. O concelho da Mealhada não é excepção.
O espírito republicano, no concelho da Mealhada, teve terreno mais propício na freguesia da Pampilhosa. Os pampilhosenses, pela sua génese sociológica, provavelmente, pelo espírito comunitário e sentido do colectivo, ansiaram e receberam de braços abertos a República. As lojas maçónicas da Pampilhosa, a Associação de Socorros Mútuos, o Grémio de Instrução e Recreio, entre muitas outras colectividades, oficializadas ou não, são o fruto de uma visão da sociedade muito mais liberal, progressista e colectivista do que a que existia na Mealhada, no Luso, ou em Anadia, por exemplo. No ano em que a Pampilhosa assinala o vigésimo quinto aniversário da sua elevação a vila – em Setembro –, faria todo o sentido, no nosso entender, associar estes dois aniversários.
Homenagear as personalidades pampilhosenses do princípio do século XX, fundadoras de tantas vontades e iniciativas, no grupo das quais pontificava Joaquim da Cruz, seria um acto de justiça. Em 2010, em princípio, deixará de funcionar como escola a Thomaz da Cruz, estabelecimento fundado por Joaquim da Cruz. Tal facto constitui, assim pensamos, mais uma razão para reavivar a memória do homem que foi o primeiro presidente da Câmara Municipal após a implantação da República, que podemos considerar como exemplo de verdadeiro republicano.
A Câmara Municipal da Mealhada e a Junta de Freguesia da Pampilhosa serão, certamente, sensíveis à justiça da homenagem a Joaquim da Cruz e aos pampilhosenses seus contemporâneos e correligionários, e à necessidade de comemoração do centenário da República.

Joaquim da Cruz

(1884 – 1975)

A comemoração da República no concelho da Mealhada deve, ainda, passar pelas escolas – pelas Actividades de Enriquecimento Curricular, por exemplo –, através de concursos, de aulas interactivas, de palestras e colóquios, deve passar pela divulgação de trabalhos sobre a primeira década do século passado, por exposições sobre o tema. Entendemos que há material e capital humano para ser feita, no concelho da Mealhada, uma comemoração do centenário da República arrojada, justa para os nossos antepassados que no município procuraram cumprir os seus ideais, e materializar, em acções, esses valores de progresso humano, valores de justiça e de igualdade entre todas as pessoas.

Editorial do Jornal da Mealhada de 3 de Fevereiro de 2010