Os franceses saqueiam Medelim
Medelim é “a terra”. Foi onde nasceu o meu pai, onde nasceram os meus avós, onde estão as raízes da minha família. O Canilho que uso, como meu sobrenome principal, é de Medelim. Passei, desde os três meses, longas temporadas em Medelim. Reza a lenda que lá terei sido concebido numa noite de Verão, no quarto da “antiga-Casa-da-Senhora-Josefa,-à-Rua-Direita, em-frente-à-casa-do-Domingos-Cartola”.
Ainda hoje, para mim, Medelim é a Terra. Sinto-me lá bem e tenho o sentido de pertença. Uma das maiores alegrias que tive na minha vida escutista, por exemplo, foi ter conseguido realizar o sonho de ajudar a organizar uma grande actividade escutista – o Acampamento Nacional de 2007 – naquela região. Tendo sido o chefe da equipa pedagógica das actividades da III Secção, pude ‘brincar’, juntamente com mais 2100 jovens de todo o país, com a história de um local que aprendi a amar!
Mas deixemo-nos de lamúrias e passemos ao que HOJE interessa.
A verdade é que Medelim, sendo uma aldeia muito antiga – com vestigios pré-históricos e história na romanização e na ocupação arabe – não tem visiveis algumas das caracteristicas que se suporiam… Como uma muralha, um castelo ou uma torre, por exemplo. Não tem, mas já teve, e os motivos por que não tem poderão dever-se (assim o perspectiva João Caldeira) à degradação do tempo e, provavelmente, à consequência do saque dos franceses, em 13 de Abril de 1812, na sequência da 4.ª Invasão Francesa.
Durante o período conhecido como o das “Invasões Francesas”, ou da Guerra Peninsular, que assinalamos o seu bicentenário, houve pelo menos quatro grandes investidas das tropas francesas. A primeira Invasão, intentada pelo General Junot, que chegou até Lisboa e até ao Porto, está cronologicamente determinada entre 19 de Novembro de 1807 (entrada por Segura, na Beira Baixa) e 15 de Setembro de 1808 (regresso de Junot a França). A segunda Invasão é comandada pelo General Soult que entra em Portugal, por Chaves, em 10 Março de 1809, e dura até Maio desse ano. A terceira Invasão é comandada pelo Genral Massena que entra pelo Nordeste de Portugal, em 24 de Julho de 1810. Conquista Almeida e segue até ao Bussaco onde trava a Batalha com o mesmo nome, em 27 de Setembro. Os franceses, mais debilitados, prosseguem até às Linhas de Torres, onde são derrotados em 14 de Outubro.
Há, ainda, uma quarta investida dos franceses em Portugal, que durou 20 dias – o general Marmont invade Portugal a 3 de Abril onde está até 24 de Abril.

Marechal Auguste de Marmont, 1.º Duque de Ragusa (1774 – 1852)

Foi exactamente nesta quarta invasão que Medelim acabou por sofrer as agruras da história e da violência dos Homens. Medelim e Pedrogão poderão ter sido mesmo as ultimas localidades portuguesas a serem saqueadas pelos gauleses na Invasão Francesa.
A este propósito, limito-me a publicar um texto de João Caldeira, investigador medelinense, com quem tive o prazer de trocar correspondência, que publica artigos de investigação no jornal Reconquista, de Castelo Branco, sob a epigrafe ‘Crónicas de Medelim’.

As invasões francesas
Por João Caldeira
Publicado no jornal Reconquista de 11 de Setembro de 2008

Foram as Invasões Francesas com o poderio dos exércitos envolvidos que mudaram a face da Região, arrasando não só Castelo Branco, mas também Segura, Idanha, Penamacor, Monsanto, Penha Garcia , e Medelim. Foram as Invasões Francesas, em particular a pouco conhecida 4.ª Invasão, que se revelaram particularmente destrutivas para Medelim.
Da torre pouco resta, dos muros também. Os tempos que se seguiram foram de
reconstrução e reocupação. As Casas Senhoriais construídas pelas famílias mais
representativas da aldeia a partir do século XVIII situam-se exactamente para o
exterior da linha de muralha, tal como a tenho proposto, esta é uma situação que
reforça a teoria que proponho em relação aos limites da Fortaleza. A excepção é
a casa da Cultura que tendo sido construída por uma família que já estava na
região no século XV-XVI, já existia intra – muros.
A 1ª Invasão teve inicio a 19 de Novembro de 1807, comandada pelo General Andoche Junot, Governador de Paris e embaixador em Portugal até dois anos antes. A sua entrada deu-se pela Beira Baixa. Os invasores precedidos por uma Guarda avançada atravessaram a Ponte de Segura a 19 e 20 de Novembro, como os caminhos eram muito maus, uma força de 54.000 homens teve de se espalhar por uma frente bastante grande no seu trajecto para Castelo Branco, onde foram chegando a partir de dia 20 e durante um mês.
Foi a pouco conhecida 4.ª Invasão, que se revelou particularmente destrutiva para Medelim. A Cronologia da 4.ª Invasão é a seguinte: inicio a 3 de Abril de 1812. A 8 o Exército Francês estabelece-se em redor do Sabugal. Já 13 de Abril de 1812, Pedrogão e Medelim são saqueados. Numa Batalha a 14 de Abril (onde?), as Milícias Portuguesas são desbaratadas e a 24 o exército Francês de Marmont abandona Portugal, a invasão durou cerca de 20 dias.
1812 é o ano em que morrem dois dos meus antepassados em Medelim, Catarina Caldeira e o Reverendo Domingos Caldeira. É minha opinião que terá sido nesse ano de 1812 que a muralha defensiva de Medelim terá sido completamente destruída.
A cobiça ditava a atitude. Tudo o que podiam carregar era roubado, todos os que
tentavam impedir os saques eram mortos.
O que restou da muralha foi utilizado no esforço de reconstrução da aldeia.
Vamos ver o exemplo da Casa da Cultura de Medelim. A sua fachada construída com grandes blocos de granito permanece conservada. No entanto, o restante do edifício está construído com pedra miúda, tal como as habitações na restante aldeia, nitidamente este edifício foi reconstruído em alguma parte da sua existência. A sua construção original não seria semelhante à actual, quem o mandou construir e nele colocou o seu Brasão, teria meios para lhe conferir outro acabamento. Penso que este terá sido um dos edifícios que, tal como a restante aldeia, terá mudado bastante de aparência em relação ao que era antes das Invasões Francesas.
Foi nesses tempos de reconstrução que os Militares envolvidos na contenda e residentes em Medelim construíram as suas casas de família, para fora dos limites da antiga muralha, para o exterior onde existia terreno livre.
No período pós- guerra, as famílias com melhor condição económica tiveram uma palavra importante a dizer quando da alienação dos terrenos e propriedades sob jurisdição religiosa.
Através do seu arrendamento ou venda, terrenos e propriedades como as da
Misericórdia de Medelim serviram então para um reforço das fracas economias do
Estado.
Começou a tomar forma o Medelim tal como hoje o conhecemos. Tendo
descrito a evolução do aspecto de Medelim é altura de falar das pessoas que lá
foram vivendo.
Não que Medelim ainda esteja como ficou depois das Invasões
Francesas! Não, já não está. Mas esteve até há cerca de duas gerações. Somente
nos últimos 50 anos a aldeia mudou, e a história de Medelim nesses anos está
certamente presente na memória de muitos.

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