Mil Carateres #15 – Publicado no Jornal da Mealhada de 22JUN22

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A Política como Roma, e Roma como Júlio César, ama a traição, mas odeia os traidores. A ideia tem mais de dois milénios, permanece atual e assolou-me no final do dia de domingo, 19 de junho, com a notícia de que, em França, a coligação de Emmanuel Macron, apesar de ter sido a formação mais votada, não tinha maioria absoluta nem eventuais hipóteses de dar à Nação estabilidade governativa.
Emmanuel Macron foi a espoleta que deu origem, em França, a um processo de desestabilização político-partidária que acabou por tornar em escombros o histórico Partido Socialista Francês e em frangalhos a direita moderada que nunca se quis aliar ao clã Le Pen. Agora, a sua coligação política precisa de aliados para governar… e eles já não existem porque foram mortos pelo próprio Macron.
Macron sempre se assumiu como uma espécie de ‘jovem turco’ da política francesa. Com 29 anos torna-se militante do Partido Socialista Francês, chega a colaborador direto do Presidente da República François Hollande, em 2012, e Ministro da Economia em 2014. Saiu do Governo socialista dois anos depois, funda um partido político liberal – o En Marche!, oficialmente Associação para a Renovação da Política, mas cuja sigla (EM) são as iniciais do fundador. E apresenta-se às Eleições Presidenciais de 2017, que ganha com 66,10% dos votos.
Emmanuel Macron simboliza a política personalizada na figura de um jovem, capaz de mudar o Mundo, a França e o sistema político. Macron e o En Marche! passam a ser a pedrada no charco que destrói a lógica partidária do funcionamento democrático e os franceses confiaram nele. Era preciso acabar com o status quo.
Mas a prática política diária costuma desmentir estes lirismos românticos da mudança pela mudança e percebe-se que a tranquilidade, a estabilidade e o equilíbrio e a perenidade que a democracia exige e que os partidos – com muitos defeitos, é certo – garantem é absolutamente essencial. Na reeleição de abril de 2022, depois de um primeiro mandato conturbadíssimo, foi mais difícil segurar-se no Eliseu e só alcançou 58,54% da preferência na segunda volta contra Le Pen.
Agora o En Marche e a coligação com que se apresentou a eleições – o Ensemble! – tem 244 dos 577 lugares da Assembleia Nacional. O partido da direita moderada Les Républicains tem os 61 lugares que o EM precisaria para a estabilidade. Mas o partido fundado por Sarkozy não se quer coligar com quem o remeteu para a quarta posição do espectro partidário francês.