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Por decreto governamental foi criada a Comissão do Plano Nacional de Leitura. Esta, por sua vez, decretou a Semana Nacional da Leitura, que terminou na sexta-feira, 9 de Março. A iniciativa, talvez por se tratar da primeira, motivou algumas escolas a desenvolverem um conjunto de actividades com vista à promoção e divulgação do livro. Outras limitaram-se a repetir iniciativas de significativo valor, como recitação de poesia ou feiras do livro.
Será a leitura, ou a falta dela, um problema nacional? “A minha pátria é a Língua Portuguesa”, terá dito Fernando Pessoa. Será um problema de identidade, de independência nacional? Acreditamos que sim. Mas, observando o caso recente do condenado a quem foi concedido indulto pelo facto de os serviços do Ministério da Justiça não terem conseguido descodificar “um documento que não era de leitura evidente”, leva-nos a dizer que é também um problema interno e diário do Estado português… com consequências que podem ser trágicas. Qualquer falha de entendimento do emissor ou do receptor inviabiliza, muitas vezes, a compreensão da mensagem.
A falta de hábitos de leitura e, consequentemente, as dificuldades no entendimento e na expressão da língua materna serão problemas exclusivos das classes mais desfavorecidas, para quem está vedado o acesso a bens dispendiosos, como são os livros? Não. Não, porque a qualidade e a quantidade das biblioteca em Portugal democratizaram o acesso aos livros. Não, porque até nas classes mais favorecidas, entre as pessoas com graus académicos, há carências linguísticas calamitosas.


Bom amigo fez-me chegar às mãos, recentemente, dois textos sobre este assunto, publicados no Jornal de Notícias em 22 de Fevereiro e 5 de Março.
No texto de Manuel António Pina, o primeiro, e no de Francisco José Viegas, o segundo, é recordado um estudo de dois académicos, Rui Bebiano e Elísio Estanque, que inquiriram 2851 alunos da Universidade de Coimbra sobre os hábitos de leitura. Apuraram que 18,3 por cento destes alunos nunca lêem livros e que, destes, 10,9 por cento frequentam o curso de Direito. Adivinha-se, assim, por que não são de “leitura evidente” os documentos de certos juristas… E são alunos de Ciências Sociais 13 por cento dos que não lêem livros. E de Artes e Letras são 7,3 por cento. É chocante? O estudo mostra também que 48 por cento dos futuros licenciados em desporto e 40 por cento dos futuros engenheiros também não lêem… Mas alguns até chegam a presidentes de câmara, a ministros… e por aí fora!
O estudo remete-nos para a discussão sobre a Universidade portuguesa. Esta insuficiência de leitura apresenta-se-nos vinda dos que se preparam para ser a nossa classe dirigente, em todos os domínios. Têm o título, o canudo mas são ignorantes…
“Em Portugal inventamos muitas desculpas e desvalorizamos os relatórios que dão conta da preguiça congénita dos nossos universitários”, diz-nos Francisco José Viegas que dá testemunho da forma como vivem a sua vida académica os americanos (sim, esses mesmos) da Brown University. Por quanto tempo vigorará, em Portugal, a ideia de que “o fado é que educa e o vinho é que instrui”?
Podem fazer-se semanas da leitura, cinquenta e duas vezes por ano. O problema em Portugal não é de dificuldade de acesso à leitura. É de preguiça.
“Este texto está mal escrito”, podemos dizer se ele tiver erros de concordância, problemas de coerência, se for ridículo… Se o afirmarmos poderemos ser considerados puritanos, ou demasiado severos. E por isso é que pululam, em certos círculos, importantes pessoas que pedem a outrem que lhes corrija os textos que escreveram… E é necessário que quem o faz, continue a fazê-lo, para que não se vejam as misérias. Como noutros domínios, a mediocridade, como a preguiça, são sempre desculpadas. Será legitimo atribuir dezanove valores, na disciplina de Português, a um aluno que não percebe nada de gramática? E que, com a mesma carência de conhecimentos gramaticais, é hoje licenciado?
Satisfaz-nos o facto de 33 por cento dos alunos que, na Universidade de Coimbra, não lêem um livro, também não lêem jornais?
(Este texto foi publicado, como Editorial, no Jornal da Mealhada de 14 de Março… Não é assim que deve ser. Em última análise um Editorial não é um artigo de opinião… De qualquer forma, tendo sido um Editorial que nasceu no projecto de um post para este blogue, aqui fica. Como fica um pedido de desculpa ao Jornal, aos leitores e à Deontologia!)