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… é o dia em que perpassam cento e sete anos sobre a morte de José Maria Eça de Queiroz. Não há muito que se possa dizer de Eça sem ser repetitivo… Foi um escritor extraordinário, e terá tido a capacidade de fazer uma especie de psicanálise do povo português. Os seus personagens – os meus preferidos são os mais políticos e os mais rídiculos: Fradique Mendes, Conselheiro Acácio, Conde de Abranhos… – são de uma riqueza tal que chega a assustar a sua intemporalidade.
Eça não seria um profeta, longe disso. Mas analisemos as palavras que escreveu em 1867, há cento e quarenta anos, sublinhe-se, no jornal Distrito de Évora, sobre a política portuguesa:
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Política de Interesse

Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (…) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.