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5 de Outubro — Discutir a República

«Na nossa opinião, mandaria a cidadania que aos feriados nacionais associássemos uma reflexão comunitária sobre as razões pelas quais são dias festivos.
Ao 25 de Abril deveríamos associar a discussão da Liberdade, dos “Direitos, Liberdades e Garantias” dos cidadãos, dos deveres sociais e dos deveres constitucionais. Ao primeiro de Maio, o direito ao trabalho e as condições em que ele se deve realizar, a precariedade e a falta de emprego, os índices nacionais de produtividade, entre outras coisas. Ao 10 de Junho e ao primeiro de Dezembro ligaríamos a análise da identidade nacional, da portugalidade, da integração europeia e da lusofonia.
Ao 5 de Outubro deveríamos, então, associar a discussão do regime sob o qual vivemos e das adaptações que o curso da história exige, e a reflexão sobre a participação política dos cidadãos na vida nacional. Não sendo assim, os feriados não passarão de dias suplementares de descanso e, neste caso, até poderíamos extingui-los, nas datas que lhes são destinadas, e anexar às férias o número de dias que lhes correspondem.


A história política portuguesa do séc. XX tornou suficientemente explícita a falta de necessidade de se discutir se deve o país ser uma monarquia ou uma república. A monarquia portuguesa feneceu de morte natural e, por mais romantismo que tenhamos, não suscita discussão em Portugal, para além do mero exercício académico. Não obstante, os monárquicos portugueses, poucos, continuam divididos, como há mais de cento e setenta anos, e a legitimidade do herdeiro ao trono, por exemplo, continua a ser objecto de discussão. Mas o debate no âmbito do 5 de Outubro não deverá resumir-se a essa questão.
Os poderes constitucionais do Presidente da República serão justificáveis no actual quadro europeu? No que diz respeito à política externa ou à defesa, por exemplo, os seus poderes estão de tal modo interligados com os do Governo que a cada presidente se pode oferecer uma interpretação diferente do exercício da sua função.
A diminuição do número de deputados na Assembleia da República é questão consensual nos partidos do bloco central — ou do arco do poder, como agora se diz —, mas para quando uma alteração da actual lei? A criação de círculos uninominais não beneficiaria a representação popular do parlamento? Certamente prejudicaria o preceito antigo de que os deputados representam a nação, toda ela, una e indivisível. A criação de círculos uninominais obrigaria a constituir uma câmara alta (senado)? Eleita por um círculo nacional?
Justifica-se em Portugal a instituição de regiões administrativas? Com órgãos executivos eleitos? Com órgãos deliberativos sufragados? Para quando a alteração da sistema de eleição dos dirigentes das autarquias locais? Já muito se disse sobre os poderes, cada vez mais amplos, inerentes ao cargo de presidente da Câmara, sobre a excessiva parlamentarização do debate interno nos executivos municipais, sobre a inoperacionalidade das assembleias municipais. Mas para quando uma adequação à realidade?
Estas seriam apenas algumas das questões que o feriado do 5 de Outubro, ocorrido há poucos dias, nos deveria obrigar a analisar, a discutir, de forma serena, construtiva, leal, patriótica, digamos.
Daqui a três anos celebrar-se-á o centenário da implantação da República em Portugal. Uma comissão de “sábios”, criada para o efeito, tem sugerido que, nessa altura, se elaborem leis com vista à institucionalização de medidas chamadas fracturantes, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Seria uma pena que, no centenário da República, o nosso modernismo nos limitasse a esse tipo de questões. Preocupar-nos-íamos se, nesse momento de comemoração nacional, deixássemos por aprofundar, também, questões essenciais — pelo menos no nosso entender — como a falta de preparação técnica dos nossos parlamentares, eles que constituem o legislador, e a ausência de bagagem cultural de tantos dos nossos políticos. Já aqui o dissemos, em 4 de Julho de 2007, que os nossos autarcas, de um modo geral, tinham falta de preparação político-administrativa. Será de reconhecer, por outro lado, que boa parte do eleitorado nacional desconhece quais os poderes e limitações dos órgãos autárquicos. Não estaríamos na altura de abordar tais questões, de forma interessante e profunda? Um maior conhecimento dos mecanismos de gestão da res pública não contribuiria para o maior progresso da nação?»

Editorial do Jornal da Mealhada