A guerra justificada

Foi com dificuldade que aceitámos a justificação dada pelo comité do Prémio Nobel da Paz para a escolha de Barack Obama para laureado de 2009. Tratou-se de algo incompreensível para nós, para grande parte do mundo e, sabemos agora, para o próprio Obama. Nessa altura, tivemos receio de que a escolha de 2009 abrisse um precedente perigoso nos critérios de atribuição do prémio. Com o discurso de aceitação do prémio, na passada quinta-feira, 10 de Dezembro, em Oslo, na Noruega, confirmámos o nosso receio. Mas não pelas razões que julgávamos.
A história dos prémios Nobel está cheia de peripécias e de curiosidades políticas. A entrega do prémio ao 44.º presidente dos Estados Unidos da América que, no dia do anúncio, estava no cargo havia, apenas, nove meses, sem que na sua vida tivesse havido qualquer acto para semelhante nomeação, era controversa. O facto de Barack Obama ser o comandante supremo das forças armadas de um país beligerante em dois cenários de guerra e receber um Nobel da Paz é controverso. O facto de o anúncio surgir na mesma altura em que Obama divulga o envio de um reforço do número de soldados para o Afeganistão em que ficam frustradas muitas expectativas que o mundo tinha sobre a sua capacidade de conduzir os Estados Unidos a uma postura mais colaborante relativamente à adopção de políticas conducentes à redução dos efeitos das alterações climáticas, e, mesmo assim, ser aplaudido pelo esforço pela paz no planeta, é controverso.

O discurso de Barack Obama em Oslo, no momento em que aceita o prémio, revoluciona, no nosso entender, todo o sistema de atribuição do galardão, para além de vulgarizar e democratizar, de certa maneira, conceitos pragmáticos da diplomacia e da tradição diplomática mundial que, até agora, eram imperceptíveis para a maior parte da população ocidental. Seria fácil a Obama aceitar o prémio distanciando-se do facto de ser o chefe do mais qualificado e do mais beligerante exército do mundo. Fez exactamente o contrário e procurou fazer doutrina sobre a necessidade do uso da força, sobre a ‘paz justa’, e sobre a ‘guerra justa’.
Foi estranho ouvir Obama, numa cerimónia de Estado, formal – na presença dos reis da Noruega –, num momento alto da sua carreira, como o seria de qualquer político, citar Luther King, lembrar Gandhi e acrescentar: “Como chefe de Estado responsável por proteger e defender a minha nação, não posso ser guiado pelos seus exemplos. Encaro o mundo como ele é, e não posso permanecer impávido perante ameaças ao povo americano. Para que não restem dúvidas: O mal existe no mundo”. E Obama prosseguiu, numa frieza quase cruel: “Os movimentos pela não violência não conseguiriam travar os exércitos de Hitler. As negociações não conseguem convencer os líderes da al-Qaeda a baixarem as armas. Dizer que o uso da força é, por vezes, necessário não é cinismo, é reconhecer a história, as imperfeições do homem e os limites da razão”. Obama justificava a necessidade da Guerra quando recebia o Nobel da Paz. Terá sido uma atitude corajosa?
Na teoriorização de Obama só a ‘paz justa’ é uma verdadeira paz. E a ‘paz justa’ é o respeito pelas leis internacionais e a sanção a quem não as respeita. É, não apenas a ausência de conflito, mas também a valorização dos direitos e da dignidade de cada indivíduo. A ‘paz justa’ é não só direitos civis e políticos, mas também segurança económica e igualdade de oportunidades para todos.
Já a ‘guerra justa’ de Obama é justificada não por concepções jurídicas, mas, tão só, por critérios políticos. Ser o último recurso para a própria defesa, ter um uso proporcional da força e uma protecção máxima a vítimas inocentes são as características desta guerra justificada que Obama defendeu. Uma guerra definida por critérios relacionados com os valores que prossegue, e com a natureza dos inimigos que se combate. Porque Obama distingue os que, segundo as suas concepções, estão do lado da justiça – os Estados Unidos e os seus aliados – dos que estão do lado da injustiça, como o Irão ou a Coreia do Norte.
“Nenhuma guerra santa pode ser uma guerra justa”, disse, ainda, o Nobel da Paz de 2009. A concluir, declarou: “Podemos reconhecer que a opressão estará sempre connosco, e, ainda assim, lutar por justiça. Podemos admitir a inevitabilidade da privação, e, ainda assim, lutar por dignidade. Podemos entender que vai haver guerra, e, ainda assim, lutar pela paz. Essa é a história do progresso humano, é a esperança de todo o mundo, e neste momento de desafio, deve ser o nosso trabalho aqui na Terra”.

Editorial do Jornal da Mealhada de 16 de Dezembro de 2009