As Vinhas da Ira

As teorias que garantem que a História é feita de ciclos são, ao mesmo tempo, angustiantes e motivo de esperança. Angustiantes porque a garantia de que a tempos de prosperidade se sucederão momentos difíceis chega a ser contrária à natureza humana de busca incessante de felicidade. Motivo de esperança porque, em sentido contrário, as mesmas teorias nos fazem pensar, sempre, que melhores tempos virão.
Estando neste momento em sentido descendente, pena é que quando pensamos que já batemos no fundo a realidade nos mostre o contrário. Nestes tempos conturbados, procuramos reconhecer nas lideranças a segurança que a realidade nos nega. Só pode ser, portanto, com frustração que vemos os nossos líderes se mostrarem tão surpreendidos como nós, perante uma dificuldade. Só pode ser com terrível desapontamento que observamos, mais tarde, que nos mentiram. É igualmente confrangedor saber que o fizeram de propósito ou por falta de preparação.
Há momentos difíceis que não se compadecem com faltas de carácter. Se Portugal atravessa uma situação tormentosa – como alguns sectores e, até, órgãos de soberania nos parecem fazer crer –, se é urgente contar com a mobilização dos portugueses, é fundamental que haja clareza na mensagem, que haja dignidade no discurso e que haja respeito pelo Povo.
Os portugueses do século XXI não são parvos, não são lorpas, não precisam de paternalismos pacóvios. Se é preciso subir o IVA, suba-se o IVA, mas não se justifique isso com o preço de um refrigerante. Fale-se claro, fale o Governo e a oposição em uníssono, mas digam-nos para onde nos levam. Por favor. Os portugueses não são mansos e estão exaustos, magoados na esperança, esgotados na paciência. Os terrenos que os políticos têm cultivado são propícios à revolta – e quem a recriminaria? – têm sido semeadas tempestades, há ‘Vinhas da Ira’ por todo o país – como no romance de Steinbeck, de 1939?.
O povo português merece respeito e o Governo e a oposição devem deixar-se de maniqueísmos e falar claro. As pessoas deixaram de ter esperança onde se agarrar, deixaram de ver novos ciclos a aproximarem-se. Quando, infelizmente, as Forças Armadas portuguesas são uma sombra do que foram um dia – porque se acomodaram, porque se deixaram enlear no redil da governamentalização –, quando já todos percebemos que quem governa o país é a tecnocracia de Bruxelas, não há muito a fazer do que exigir dignidade e respeito. E assumir as consequências patrióticas se tal não vier a acontecer.

Editorial do Jornal da Mealhada de 19 de Maio de 2010