A Jangada da Medusa
(Le Radeau de la Méduse)
1818 – 1819
Théodore Géricault
Museu do Louvre, em Paris
Este quadro entrou na minha vida num qualquer trabalho para a disciplina de História da Arte. Não sei precisar como nem de que forma, seguramente no 12.º ano… mas não me lembro de mais. Sei que tivemos que analisar a história dramática de uma sequência de irresponsabilidade, de falta de coragem, de estupidez que vai desembocar numa catástrofe humanitária… Estávamos no século XIX… há duzentos anos.
Mas o mais dramático é que duzentos anos depois, continua a haver comandantes como Chaumareys, que estão ao leme de barcos por esses mares todos, ao leme de países por esse mundo todo, ao leme de agências de rating, e bancos… e tantas outras embarcações cheias de candidato a náufragos.
A imagem d’ “A Jangada da Medusa” vem-me à cabeça sempre que há desembarques em Lampedusa, sempre que há noticias de experiências de sobrevivência… sempre que há sabores de decisões tão dramáticas como a de comer os mortos para salvar os vivos, ou de matar para não morrer.
Saramago sugeria que os Iberos viviam numa Jangada de Pedra… mas parece-me que estaremos todos na Jangada da Medusa…
 «A fragata real “Medusa” deixou Rochefort na França, a 17 de Junho de 1816, em direcção a Saint-Louis, no Senegal. Apontada como uma das mais modernas embarcações da época, a sua missão era tomar posse da colónia do Senegal, que havia passado para a tutela francesa.
A bordo seguia o novo governador do Senegal, com a sua família, soldados e a equipa da marinha. Um total de 400 pessoas, seguramente mais do que as condições do barco permitiam. Ao comando da “Medusa” estava Hugues du Roy de Chaumareys, um capitão que durante 25 anos esteve longe das águas por imposição de Napoleão. Mas com o regresso ao trono dos Bourbons, foi compensado com este comando.
A arrogância deste capitão e as consequentes discussões com os oficiais motivaram a 2 de Julho, um dia de águas calmas e boa visibilidade, o encalhamento da fragata ao largo do Cabo Branco (entre as Canárias e Cabo Verde). A forma como foi ordenada a evacuação do barco revelou egoísmo e gerou pânico. O governador, o capitão e grande parte dos oficiais ocuparam seis salva-vidas enquanto 147 tripulantes não encontraram lugar. Estes foram colocadas numa jangada, construída precariamente com tábuas, cordas e partes do mastro, atada a um dos salva-vidas. A dada altura, acidentalmente ou não, o cabo soltou-se. O que se passou a seguir foram cerca de duas semanas de pesadelo num mar tempestuoso, com mortes brutais e até actos de canibalismo. Os oficiais que ficaram na jangada ocuparam o centro da mesma, estavam armados enquanto que os marinheiros e os soldados tinham sido desarmados antes de subirem a bordo. Destes últimos, 20 desapareceram durante a primeira noite. Na segunda noite, a luta acentuou-se e durante um motim os oficiais, que foram atacados, mataram 65 homens. Após diversos dias na embarcação um dos sobreviventes, o médico Jean-Baptiste Henry Savigny, assumiu a liderança do grupo e passou a dissecar os corpos dos mortos para que servissem de alimento aos sobreviventes, para que estes não morressem de fome. Depois de 13 dias à deriva a jangada da “Medusa” foi resgatada pelo Argus, um pequeno navio mercante. Nesta altura restavam apenas 15 sobreviventes.
A notícia do naufrágio da “Medusa” foi publicada em Setembro de 1816, pelo jornal parisiense Journal des Débats. As investigações sobre as causas e as circunstâncias exactas do desastre ocuparam os jornais franceses durante meses. Uma história de infortúnio que desencadeou um escândalo político. Apenas 10 dos 147 ocupantes da “Medusa” sobreviveram.

Tendo como base este acontecimento, Théodore Géricault resolveu pintar um quadro que começou por chamar-se “Cena de um Naufrágio”. A obra integrou a exposição no Salão de Paris, em 1919 e causou grande polémica. O objectivo de Géricault era realizar uma pintura em grande escala, com efeito tremendo, que lhe permitisse atingir o reconhecimento. Para realizar A Jangada da Medusa, Géricault socorreu-se de várias fontes. Conversou com dois sobreviventes (Savigny – médico, Corréard – cartógrafo) e leu também o livro que ambos escreveram sobre o naufrágio. Os objectivos realistas levaram-no a alguns preciosismos como a construção de uma pequena maquete da jangada, para melhor a representar. As dimensões do quadro (491×716 cm) obrigaram ao aluguer de um estúdio maior. Curiosamente, perto de um hospital porque Géricault foi autorizado a fazer esboços de doentes e de moribundos. O pintor levou para casa membros de pessoas mortas para observar a sua coloração nos primeiros dias de putrefacção.
Apesar da imensidão real do mar, a tela atribui-lhe pouca importãncia. Nos primeiros estudos Géricault seguiu o costume ordinariamente utilizado nas cenas marítimas: grandes áreas dedicadas à água e as pessoas e barcos com dimensão reduzida. No entanto, à medida que o trabalho foi avançando, Géricault foi dando mais destaque à jangada, de tal forma que na versão final sente-se que quase se pode entrar a bordo. Assim, a parte atribuída ao mar foi sendo marginalizada, ganhando ênfase a estrutura piramidal da composição.
A obra foi adquirida pelo Museu do Louvre após a morte precoce do artista aos 32 anos. A influência de A Jangada da Medusa, pode ser vista em obras de Eugène Delacroix, J. M. W. Turner, Gustave Courbet e Édouard Manet.»

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