Não sei o que me espanta mais… se um campo de refugiados no coração da Europa, se a necessidade de tomar medidas deste tipo, se os 80 milhões de euros que a medida vai custar, se o facto de Câmara e Governo não se entenderem quanto à necessidade de tomar medidas…

A presidente da Câmara de Paris quer abrir um campo de refugiados na capital e acabar com “os parques indignos” em que muitos vivem actualmente, debaixo de pontes, ou nas ruas da cidade. 

A França é geralmente um país de trânsito para chegar ao Reino Unido, mas ainda assim tem assistido desde há um ano “a um fluxo migratório sem precedentes”, afirmou Anne Hidalgo. A intenção da autarca é construir um parque semelhante ao de Grande Synthe, no Norte e o primeiro na França a cumprir os padrões internacionais, e alojar as centenas de pessoas provenientes de África ou do Médio Oriente que actualmente vivem sem tecto.

“O que me guia é o interesse pela minha cidade. E não servimos esse interesse dando uma imagem que não reflecte os nossos valores”, afirmou, citada peloFinancial Times. “Não quero olhar-me para o espelho dentro de seis meses ou 15 anos e dizer: ‘Isto é Paris, tu foste presidente da câmara e és culpada de não ter prestado assistência a pessoas em perigo”.

No último ano e meio, a câmara alojou oito mil refugiados, em 80 centros de acolhimento – que são insuficientes para fazer face aos que continuam a chegar. “Está na hora de andar mais depressa e dar mais respostas”, defendeu a autarca.

O anúncio não criou só reacções negativas na oposição – o deputado de centro-direita Eric Ciotti escreveu no Twitter que “Anne Hidalgo é guiada por uma ideologia perigosa que visa tornar Paris na capital da imigração ilegal e este é um erro trágico”. Também o próprio Partido Socialista, no Governo, ficará desconfortável, prevendo-se um agravar da colisão entre Hidalgo (da ala esquerda do partido) com o Executivo de Manuel Valls – que já se tinha oposto ao campo de Grande Synthe, por não querer que os emigrantes e refugiados se reagrupem num mesmo local, preferindo reparti-los pelo país, adianta a AFP. Hidalgo e Valls já estavam em lados opostos na questão da reforma da lei do trabalho que o primeiro-ministro tem promovido, e que tem provocado greves e manifestações por todo o país.

Ainda assim, Hidalgo declarou “desejar que o Governo seja parceiro” na criação do campo, que deverá demorar mais de um mês a concluir e que “terá de ser suficientemente vasto para receber várias centenas de pessoas”, comentou, citada pela AFP.

A França recebeu no ano passado 80 mil pedidos de asilo, bastante menos do que o milhão recebidos pela Alemanha. E resiste a aceitar os 30 mil refugiados que lhe couberam na distribuição europeia, cuja chegada estava faseada em dois anos.

Segundo os dados da ONU, as chegadas à Europa diminuíram com o acordo assinado entre Bruxelas e Ancara, que permite o reenvio para a Turquia dos refugiados que cheguem à Grécia e que não tenham feito um pedido de asilo, ou caso este lhes tenha sido recusado.
A rota entre a Líbia e a Itália, mais perigosa, continua a levar milhares de pessoas a arriscar a vida no mar. A última semana foi uma das mais trágicas de que há registo, com pelo menos mil pessoas a terem morrido durante a travessia, de acordo com Organização Internacional das Migrações.

Jornal PÚBLICO 01JUN16 (online)