Os meus avós paternos, de Medelim, tinham uma espécie de dialeto próprio, de que tenho muitas saudades.
A minha avó Alice não nos dizia ‘vão!’. Dizia-nos ‘andar-ir!’. No imperativo mais imperativo que se compreenda. Não nos perguntava onde íamos, perguntava ‘onde vandes?’…
E usava muitas vezes, na hora da despedida, um verbo de que gosto muito: ‘Abalar’! E gosto cada vez mais, quanto mais saudades tenho dela.
Talvez porque Abalar é, simultaneamente, Partir e Causar abalo. E o tanto que eu gosto de partir e de causar abalo…
Talvez por que a Avó Alice abalou… Talvez porque a única coisa que temos de preparar na vida é a consciência de que temos, todos os dias, de abalar e estar de abalada!
«É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.»
José Saramago, Cadernos de Lanzarote (1994)

[2483.] ao #15475.º