O valor do dinheiro (em tempos de crise)

A notícia da transferência de clube do futebolista Cristiano Ronaldo, do Manchester United para o Real Madrid, por 94 milhões de euros, não passou indiferente nem aos portugueses… nem ao resto do mundo. Trata-se de um valor muito alto — a mais dispendiosa transferência da história do futebol — que, especialmente numa época em que se fala de crise internacional — financeira, económica e social —, choca e até revolta as pessoas. A revolta pode ficar a dever-se ao facto de se tratar de futebol e não de uma outra qualquer área social. O futebol será um complemento à vida das pessoas, uma forma de diversão, logo uma actividade subsidiária que não mereceria o dispêndio de um volume de capitais com esta dimensão. Acreditamos ser essa a principal causa de reprovação do cidadão comum. Ninguém estranha, sequer, que um clube pague a outro a transferência da propriedade de um jogador, numa espécie de rota tradicional de mercantilismo como se o produto não passasse disso mesmo, um mero produto transaccionável.
Mas se há algum dirigente de um clube que está disposto a pagar 94 milhões de euros pela transferência do jogador, é porque a presença do jogador na equipa desse clube vale esse dinheiro. A história da Economia mostra que o valor dos produtos se situa, tendencialmente, no valor (e no sacrifício) que as pessoas estão dispostas a dar para o ter. Se o presidente do Real Madrid — Florentino Perez — considera que é rentável pagar o equivalente ao peso em ouro de 54 Cristianos, e se o Manchester o entrega por esse valor e por nenhum valor mais baixo, então está encontrado o ponto de equilíbrio e o preço justo.
Pelos dados que nos têm sido dados pela comunicação social, é possível que Florentino Perez não tenha enlouquecido. A transferência de Ronaldo custou 94 milhões de euros, e o contrato do jogador é de 6 anos, mas só a venda de produtos com a sua marca — como as camisolas do Real Madrid com o seu nome, entre outros produtos — irá render 90 milhões de euros por ano. Ou seja, mesmo que não consideremos as contas os salários do jogador e outros gastos e todos os outros valores que virão a ser adicionados como receitas com ele relacionadas, continuava a ser um investimento rentável. É, portanto, um gasto que gera dinheiro. O Manchester United recebe pela transferência de Cristiano — um jogador — um valor idêntico ao de todas as receitas angariadas na liga inglesa na última época desportiva — com jogos semanais de uma equipa de onze jogadores. Logo, também não terá feito uma má venda.
O presidente da FIFA, Joseph Blatter, garantiu que esta transferência dá sinais de que o mercado do futebol está de boa saúde. E parece-nos que tem razão. Ao menos que algum mercado tenha boa saúde nesta época de crise internacional. Crise que nunca será debelada se, pura e simplesmente, restringirmos o consumo. Bem sabemos que o Manchester United não irá distribuir os euros recebidos do Real Madrid pelas pequenas e médias empresas de Inglaterra — quando muito pagará impostos sobre essa receita —, mas se o dinheiro se desloca é bom para todos porque é bom para a economia global.
Quando o Presidente da República Portuguesa, há poucos dias, apelava aos partidos políticos para serem comedidos nos gastos da campanha eleitoral não percebemos o que queria dizer, confessamo-lo com humildade. Se os partidos dispõem de dinheiro em quantidade não o devem gastar porquê? O Estado só vai dar-lhes o equivalente ao número de votos que obterão, ou seja, o gasto do Estado não está directamente relacionado com o gasto dos partidos na campanha. Cada eleitor fará a sua apreciação dos gastos supérfluos dos partidos mas poderá considerar-se um acto de cidadania a despesa feita por eles em campanha eleitoral. As gráficas que fazem os panfletos, os comerciantes de sacos plásticos e de outros brindes, as empresas de som… e tantas outras micro, pequenas e médias empresas, bem como as pessoas que são remuneradas para colar os cartazes, por exemplo, ganham directamente com a campanha eleitoral. Serão, em todo o território nacional, directamente beneficiadas com a campanha eleitoral.
As pessoas, nos dias de hoje, devem preparar-se para tempos difíceis, devem consumir com responsabilidade, devem ter mecanismo de poupança e de investimento seguro. Mas não podem restringir o consumo. O incentivo fundamental para o ultrapassar da crise económica — é já ideia comummente aceite pelos especialistas — passa pelo apoio directo e imediato às micro, pequenas e médias empresas. E esse apoio, da parte das pessoas — não nos arriscaríamos a dizer o que devia o Governo fazer neste domínio — faz-se pelo consumo, pelo comprar de alguns produtos nas mercearias, no comércio de proximidade, no voltar a utilizar o serviço dos sapateiros e das costureiras para arranjarem o que ainda pode ser reutilizável, por exemplo.
O valor do dinheiro, mesmo em tempo de crise, é sempre difícil de definir. Não há tabela para o que é muito nem para o que é pouco. Mas a valia do dinheiro passa pela circulação, passa pelo resultado dessa circulação. O dinheiro de pouco valerá se ficar estagnado no colchão, de quem tem muito ou, também, de quem tem pouco…

Editorial do Jornal da Mealhada de 17 de Junho