Novo ciclo, velhas dúvidas?

A hora em que se considera finalizado o apuramento e se tornam conhecidos os resultados eleitorais, especialmente os autárquicos, é, para nós, um momento muito estimulante. Procurar razões para justificar subidas e descidas, mudanças de orientação politica ou manutenção de cenários políticos é um exercício que nos atrai e sobre qual nos procuramos debruçar. Assim aconteceu nas horas que se seguiram ao conhecimento dos resultados eleitorais na Mealhada e, também, em Mortágua e em Penacova.
Observando as três realidades dos concelhos da zona do Buçaco, colocou-se-nos uma dúvida que nos saltou à vista. Apesar de dificilmente encontrarmos uma justificação científica que nos satisfaça, perguntámo-nos se será apenas coincidência ou poderá dizer-se que quanto mais intenso, severo e público é o trabalho dos partidos da oposição à Câmara Municipal de que são membros menos hipóteses há de o eleitorado retribuir com simpatia elegendo maiorias constituídas por representantes das forças políticas que estavam, ou estiveram, na oposição.
Na Mealhada, de 2005 até à actualidade, a oposição na Câmara Municipal foi a mais activa, dura e mediática de que há memória. Foram quatro anos de um ritmo alucinante de casos, de queixas, de denúncias, de propostas apresentadas no sentido de marcar, apenas, a agenda política e provocar o surgimento de factos ou casos mediáticos. A oposição na Assembleia Municipal esvaziou-se completamente e os próprios vereadores da oposição acabaram por se incompatibilizar entre si e, depois, até, por ver que lhes retirada a confiança política das estruturas dirigentes locais do partido que representavam. Número significativo de assuntos do foro político tratados na Câmara – e depois, também, com o contributo da comissão política do partido – estão neste momento a ser dirimidos no tribunal. No domingo, os eleitores da Mealhada castigaram severamente o PSD impondo-lhe uma derrota substancial. A maior parte deste resultado será devida aos méritos e desméritos das candidaturas apresentadas, mas será que o ele não é uma maneira de rejeitar uma forma de fazer política através na qual a vozearia, a denúncia, a acusação sistemática, e a especulação destrutiva constituíram o registo e as técnicas argumentativas preferidas para o combate de oposição?
Em Mortágua a situação foi semelhante e os resultados similares. A oposição no interior da Câmara Municipal não terá sido tão dura como na Mealhada, mas houve a procura dos dirigentes políticos da oposição de, através dos jornais, apresentar uma imagem do concelho que contrariava liminarmente o que era dado como garantido e apresentado pela maioria que governava o município. Evitando o confronto dialéctico directo, o principal partido da oposição insistiu na ideia de que havia uma espécie de “asfixia democrática” no concelho e de que o município era governado de modo autocrático.
Em Penacova, a oposição no interior da Câmara nunca teve grande protagonismo, as decisões tomadas no âmbito do executivo foram, na maior parte das vezes, consensuais. A Assembleia Municipal foi fórum de discussão e debate, de exercício do contraditório, pacifico na maior parte das vezes, mais aguerrido quando se impunha.
Três municípios, três realidades e três resultados. Penacova decidiu mudar de cor e eleger o candidato do principal partido da oposição. Não terá sido indiferente o facto de o actual presidente, Maurício Marques, não se ter recandidatado – mas a verdade é que ele próprio era cabeça-de-lista à Assembleia Municipal e não teve um resultado substancialmente diferente do do candidato à Câmara. Em Mortágua, o presidente Afonso Abrantes, do PS, ganhou em toda a linha e pintou de rosa tudo o que haveria para pintar – só não conseguiu tirar de José Alexandre Dias, do PSD, a presidência da maior junta de freguesia do concelho, a de Sobral, mas viu o CDS tirar a este ao PSD o mandato que lhe dava a maioria absoluta. O PSD tinha, em Mortágua, dois vereadores (quando a Câmara tinha apenas 5 mandatos) e passa a ter apenas um (agora que a Câmara tem 7), tendo perdido mil e duzentos votos, metade do que conquistara quatro anos antes. O CDS tem, também, um vereador, tendo arrecadado oitocentos dos votos perdidos pelo PSD. Na Mealhada, o PSD perdeu 695 votos relativamente a 2005 e o PS aumentou o seu resultado em mais de mil e quinhentos votos. Foi buscar votos ao PSD, cem votos à CDU e mais de quinhentos votos de novos eleitores.
Agora que se inicia um novo ciclo político consideramos que seria interessante que os partidos que se encontram na oposição reflectissem sobre esta dúvida que se nos deparou: Será apenas coincidência ou poderá dizer-se que quanto mais intenso, severo e público é o trabalho dos partidos da oposição à Câmara Municipal de que são membros menos hipóteses há de o eleitorado retribuir com simpatia elegendo maiorias constituídas por representantes das forças políticas que estavam, ou estiveram, na oposição?
Daqui a 4 anos nem Carlos Cabral nem Afonso Abrantes poderão ser candidatos e será impossível responder a esta dúvida, porque o cenário muda totalmente. Mas outras oportunidades teremos para a ver tirada, certamente.
Sempre nos vai parecendo – uma suspeição, apenas – que o eleitorado não aprecia o estado de conflitualidade permanente entre a oposição e as maiorias politicas, que o eleitorado não gosta que lhe estejam, permanentemente, a dizer que o sítio onde vivem não presta, não tem condições, não tem qualidade de vida. Parece-nos que a utilização sistemática de uma atitude negativista em relação à qualidade de vida da população não colhe.