Portugal e os fogos

Primeira parte

O Governo português continua a acreditar que vale a pena proclamar a máxima: “Portugal sem fogos depende de todos!”. Apesar de o fogo continuar a alastrar por todo o país como uma praga e de, este verão, se mostrar particularmente severo nos parques nacionais e áreas protegidas, a verdade é que não será a famosa e sempre alegada ineficácia de medidas governamentais – nomeadamente na área da estratégia e do socorro – que está a sustentar esta situação. Por outro lado, a mais ninguém caberá o mérito de a situação estar a ser debelada com sucesso (pelo menos até agora) senão às heróicas corporações de bombeiros – e sublinhamos sempre as de voluntários – que, com bravura, vão travando este combate. Solidarizamo-nos, naturalmente, com os amigos e famílias dos bombeiros falecidos no cumprimento da missão que abraçaram de proteger vida por vida, e de defesa e protecção de Portugal e dos portugueses.

Olhar apenas para o nosso umbigo, também neste tema é ridículo e fará sentido observar debates que se fazem noutros países e com os quais – referimo-nos aos debates, entenda-se – alguma coisa podemos aprender. A Rússia viveu, neste verão de 2010, a maior onde de calor dos últimos mil anos – assim asseveram as entidades oficiais. Já se registaram 26 mil fogos florestais, numa área de 750 mil hectares. No combate às chamas já participam mais de 160 mil bombeiros, apoiados por 26 meios técnicos, incluindo 42 aviões e helicópteros.
O presidente Medvedev já demitiu altas patentes militares, o primeiro-ministro Putin já proibiu a exportação de cereais nos próximos sete anos e o país – (ainda) uma das grandes potências mundiais – está em estado de emergência. Nessa Rússia em chamas, os políticos estão a ser acusados de terem permitido esta situação com a aprovação de uma nova lei de prevenção florestal, em 2007. “Praticamente não existe um serviço responsável pela segurança das florestas em nível federal. Antes da entrada em vigor em 2007 da nova lei florestal, a prevenção de incêndios era feita pelos guardas florestais. Acontece que mais de 70 mil postos de guardas florestais foram eliminados. Agora, não há ninguém encarregada da vigilância das florestas, só funcionários em seus escritórios”, disse, à agência noticiosa EFE, Alexei Yaroshenko, analista do Greenpeace.
Os russos poderão ter encontrado uma ligação directa entre uma onda de calor sem precedentes, o desmantelamento da rede de guardas florestais e uma catástrofe de fogos florestais.
Em Portugal, onde praticamente não há guardas florestais onde as áreas florestais do Estado são as mais sujas e perigosas, onde se têm vivido sucessivas ondas de calor, o pior só pode estar a ser evitado ou por providência divina ou pelo facto de termos, provavelmente, os mais destemidos e heróicos (quiçá inconscientes) bombeiros do mundo.

Editorial do jornal FRONTAL de 10 de Agosto
Editorial do Jornal da Mealhada de 11 de Agosto