A escola livre ou
a ilha de ‘O Deus das Moscas’?

O problema das sociedades mediatizadas, como a nossa, é o de que nunca levamos os problemas suficientemente a sério e as soluções nunca são maturadas, avaliadas e corrigidas. Tomamos medidas à medida do que os media nos vão fazendo sentir as dores. As soluções para os problemas sérios do país estarão, sempre, naturalmente, a montante de tomadas de posição preventivas ou estritamente imediatistas. A questão da violência no interior das escolas, por exemplo, da parte de alunos contra alunos e professores, não será nova, mas atingiu uma expressão impossível de ignorar.
A situação não é completamente nova, é certo, e nem por isso é surpreendente. Se não vejamos: passámos a última década a retirar a autoridade do professor na sala de aula, a dar ao aluno um estatuto de facilitismo e cedências constantes mascaradas com a criação de exames para garantir exigência, a enjaular os alunos em salas durante o dia inteiro. Ao mesmo tempo, em casa, as crianças perderam convivência com os pais e com os avós, perdem referências, são subtraídas a redes de civilização, desconhecem regras sociais de sã convivência.
Pedindo desculpa pelo exagero, parece-nos que nos aproximamos, na escola e no dia-a-dia das crianças, do que William Golding, em 1954, narrou no seu distópico e pessimista romance ‘O Deus das Moscas’ – cuja leitura aconselhávamos a todos os educadores.


Serve a escola para educar as crianças, os adolescentes e os jovens? Ou serve, principalmente, para empregar professores? Da resposta a estas perguntas se depreenderá que se o objectivo fosse centrar a escola no aluno, seria mais fácil financiar o aluno – que poderia escolher livremente a sua escola, pública ou privada – do que financiar o edifício burocrático que é hoje a escola pública portuguesa. Não deixa de ser curioso que a maior parte dos políticos portugueses – nas cúpulas do Estado mas também ao nível das autarquias locais –, mesmo os que têm responsabilidades na educação, prefiram colocar os seus filhos a estudar em colégios privados do que na escola pública que tantas vezes tutelam.
David Cameron é o líder do Partido Conservador britânico. Em Maio poderá vir a ser primeiro-ministro. No Outono passado, não teve nenhum pudor em afirmar que tinha uma equipa a estudar o modelo sueco de gestão escolar, conhecido como ‘da liberdade de escolha da escola’. A Suécia é, talvez, o mais social-democrata – o que no panorama português equivale ao socialismo democrático maioritariamente representado pelo PS – dos países europeus. Este modelo nasce com um governo liberal-conservador, é certo, e é mantido e melhorado nos governos social-democratas seguintes – seria impensável em Portugal?
O elemento fundamental do modelo sueco, criado em 1992, passa pelo financiamento dos alunos, através de um ‘voucher’ e, consequentemente pela introdução da possibilidade de escolha da escola e da posterior concorrência entre escolas. A criança tem direito à Educação gratuita. Tem a criança sueca, como tem a criança portuguesa. A diferença é que o Estado entrega a sua comparticipação através de um voucher, uma espécie de cheque que a família recebe como contrapartida da condição de cidadão do estudante com direito a uma educação gratuita. “Quando os vouchers foram lançados, em 1992, já existiam algumas escolas privadas, em regra muitíssimo boas e muito procuradas pelas famílias. Mas eram todas pertencentes a instituições sem fins lucrativos, o que era imposto por lei. A consequência desta restrição era muito curiosa. As poucas e excelentes escolas privadas não tinham incentivos nem meios para se expandirem. Criavam então enormíssimas listas de espera em que os pais inscreviam os filhos à nascença. Esse era o seu distintivo de qualidade. Mas só um número muito limitado de crianças tinha realmente acesso à escola de qualidade”, narra João Carlos Espada, politólogo da Universidade Católica, num ensaio publicado no jornal i, em 24 de Outubro de 2009. “A partir de 1992, duas coisas aconteceram. Todas as escolas, estatais ou privadas, passaram a receber por aluno o mesmo montante pago pelo Estado. Em segundo lugar, a criação de novas escolas foi tremendamente facilitada, requerendo apenas garantias de qualidade. As instituições com fins lucrativos foram autorizadas a entrar no novo mercado de educação”, descreve, ainda, João Carlos Espada. Hoje a escola sueca é um modelo de qualidade, melhorou a educação dos alunos, mas também melhorou a escola pública.“Talvez a liberdade de escolha da escola seja a solução para a quadratura do círculo. Pelo menos funcionou na Suécia, o mais social-democrata país europeu. E é bem possível que venha a dominar o futuro próximo do debate político europeu”, assevera João Carlos Espada. Porque não?

Editorial do Jornal da Mealhada de 24 de Março de 2010, Dia do Estudante