Há tradições bonitas. Tradições que têm, na minha opinião, até muito pouco de religioso, para além da espiritualidade um pouco mercantilista do “é pagando que se recebe”. Mas é bonita a tradição (até pagã) da santa que desce à cidade nos anos pares, onde permanece a dar Graças as Crentes até regressar a casa onde repousará vigilante por mais vinte e quatro meses.
Na minha espiritualidade pessoal, não me entram na cabeça as ‘imagens venerandas’, mas aprecio o que está para além do óbvio e a cidade que faz ressuscitar uma figura histórica da sua cultura e ver naquele pedaço de argila ou madeira (não sei bem) feito santa veneranda mostra muito de místico, muito de espiritual. Não pelo que a imagem é – que não é nada – mas por tudo aquilo que os homens, capazes de ver o abstracto, vêem nela. E pela necessidade que têm de estar frente-a-frente e de tocarem no transcendente.
Fui hoje à procissão nocturna da Rainha Santa Isabel. Ouvi, atentamente, a saudação feita por um padre à imagem da santa em nome dos conimbricenses. Gosto de sublinhar gestos feitos tradições porque repetidos ano após ano, mesmo que me sejam dificeis de entender. Gosto de ver que os homens se ligam, se religam, à espera do transcendente.
Isabel de Aragão foi esposa de um grande rei, “um poeta plantador de caravelas”, que, ao que parece só para ela era bruto. Foi mãe de um outro bruto rei, que com o pai nunca se deu, assassino da nora, mas talvez por isso estadista e patriota. Foi avó de um rei ainda mais bruto, enraivecido de amor e chamado de justo. Do seu utero nasceu o que teria sido uma geração gloriosa de reis medievais portugueses, brutos, não tivesse sido ofuscada pela do bisneto João de Avis e sua inclita geração. Não sei se foi esposa dedicada, mãe exemplar ou avó extremosa. Não sei se fosse essa mulher que ontem ouvi descrever. Não sei, nem acho que isso seja importante. Está nos altares dos santos por ter fama de caridosa, de humilde, de “política” preocupada com os mais desfavorecidos.
Era a santa preferida do meu avô Hilário que deu o seu nome à unica e tardia filha. É padroeira de Coimbra, e é dela para sempre.
Que se sinta bem na cidade enquanto lá estiver. E regresse em paz.