Na sequência do post [1234.] sobre o ’25 de Novembro de 1975′ recebi o pedido para publicar aqui, em género de Adenda ou continuação, uma narrativa do que foram os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975. Queixava-se quem me pediu que os dados que há na Internet parecem parcos e tendenciosos.
Mesmo correndo o risco de ser, também eu, tendencioso, uma vez que a minha posição sobre os acontecimentos está mais do que assumida e não é imparcial, procurarei usar de alguma imparcialidade e fazer uma narrativa do que me parece mais relevante da história desse dia, que, repito, os historiadores oficiais insistem em ignorar.

Contando, então, a história…

Em 25 de Abril de 1974 só o Partido Comunista Português estava verdadeiramente organizado. E com muito mérito. O Movimento das Forças Armadas (MFA) determina um “rumo para o socialismo” no novo regime político português, apesar de a chefia do Estado ter sido entregue a António de Spínola, um general do exército, conservador e dissidente do antigo regime muito mais por causa do protagonismo do que por diferenças ideológicas. O MFA está organizado tendo os militares – nomeadamente os capitães e os oficiais mais jovens – como o cérebro e os braços da revolução, e os militares de carreira, os mais graduados, sem grande espaço de manobra.
Depois da Revolução, os problemas do país agravam-se, há pressão política da parte dos mais desfavorecidos para que sejam tomadas medidas rápidas, há pressão internacional para resolver o problema colonial…
O primeiro governo provisório (Maio a Julho de 1974) é chefiado por um intelectual moderado – Adelino da Palma Carlos -, mas logo a 18 de Julho toma posse um militar, Vasco Gonçalves, um intelectual comunista radical, ansioso pela expurgação de todos os elementos reaccionários que eventualmente subsistiriam na vida política e económica portuguesa. O ‘Companheiro Vasco’ cedo entra em conflito com o Presidente da República – que acusa o Governo e o MFA de agir segundo a “política da Terra Queimada”. Em Setembro de 1974, António de Spínola estica a corda, mede o pulso ao seu apoio popular e, sem a manifestação da ‘maioria silenciosa’, demite-se e entrega o cargo ao General Costa Gomes.
A partir de Outubro de 1974, Vasco Gonçalves fica à vontadinha! Intensificam-se as acções de ocupação de terras, de nacionalização de sectores fundamentais da vida económica e as forças da extrema-esquerda começam ‘a ganhar asas’.
Em Fevereiro de 1975 começa a circular a informação (ou o boato?) de que, pela Páscoa, todos os militares reaccionários – próximos de Spínola – iam ser eliminados. Chamou-se a isso ‘A Matança da Páscoa’. O clima aquece e, em 11 de Março de 1975, os spinolistas – com o próprio general a partir de Espanha – pegam em armas e procuram fazer um golpe militar. Sem sucesso.
A intentona reaccionária acaba por dar espaço a Vasco Gonçalves para radicalizar a acção socialista do seu governo e dar novo ânimo ao Processo Revolucionário Em Curso (PREC), a todo o gás. Para ajudar, vai aliar-se a Otelo Saraiva de Carvalho, que havia sido um dos operacionais do 25 de Abril, e, antes disso, durante a Guerra Colonial, havia sido elemento da Acção Psicológica na Guiné, que ocupava, agora, o cargo de chefe do COPCON – Comando Operacional do Continente, uma estrutura proto-policial militarizada.
Então, fruto desta aliança Otelo-Vasco, o COPCON, depois de 11 de Março, passa a ter autorização para perseguir e prender todos os que se manifestassem de forma anti-revolucionária. Reza a lenda de que o próprio Otelo deixava assinadas folhas em branco na sua secretária para que qualquer elemento do COPCON pudesse preencher em caso “de necessidade”, com a sua própria discricionaridade.
Nacionalizam-se bancos, seguradoras, a tabaqueira, grandes empresas como a CUF e a Lisnave… E em Março-Abril, o pacto MFA-Partidos funda o Conselho da Revolução, uma assembleia militar com a missão de aconselhamento do Chefe de Estado e garante do rumo socializante do novo regime.
É neste ambiente que, em 25 de Abril de 1975 os portugueses vão pela primeira vez a votos para escolher a Assembleia Constituinte. O PS ganha a eleição, com 37,9 por cento, 116 deputados, o segundo partido é o PPD, com 26,4 por cento dos votos, 81 deputados, e o PCP alcança, apenas, 12,5 por cento dos votos, 30 deputados. Uma clara demonstração de que “A Força do PC” era muito mais ‘vozes que as nozes’.
Percebe-se, então, que a legitimidade de Vasco Gonçalves e da sua politica provinha muito mais do Conselho da Revolução do que dos portugueses. E a clivagem começa a mostrar-se. E começa a antever-se um Verão Quente com ataques às sedes dos partidos, com manipulação da comunicação social, com assassinatos (Padre Max, Ferreira Torres, por exemplo), com ocupações de terras e fábricas – com acções radicais contra a Igreja e contra os católicos! Tudo se prepara para uma guerra civil.
Otelo e Vasco Gonçalves chateiam-se em Agosto e o primeiro-ministro demite-se. Em Setembro é nomeado o VI Governo Provisório chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo, um militar de topo que tinha feito parte da Junta de Salvação Nacional, muito mais moderado, muito mais próximo da Democracia-Cristã do que do Comunismo. A ideia era acalmar o Conselho da Revolução, mas a coisa não resulta. Pinheiro de Azevedo acaba por viver um conjunto vário de peripécias engraçadas… com frases que ficaram para a história do humor em Portugal – o Governo chegou a estar em GREVE!
Em meados de Novembro, Melo Antunes, um militar, intelectual de excepção, e mais oito moderadas figuras proeminentes do Conselho da Revolução, publicam o Documento do Grupo dos Nove, que procura exortar no caminho da moderação e põe a hipótese do afastamento de Otelo (o paladino da esquerda radical) e a dissolução do COPCON.
Revoltado com a ideia de perder o poder, ao ver-se sem o apoio que no Governo Vasco Gonçalves lhe proporcionava, e ao observar que as forças da esquerda radical não tinham grande aceitação popular, Otelo Saraiva de Carvalho distribuiu armas pelos amigos e esconde a mão.
Em 25 de Novembro de 1975 as forças da esquerda radical leais a Otelo, e com o apoio do PCP, avançam para um golpe militar, para implementar, de uma vez por todas a Ditadura do Proletariado.
Acontece que Otelo, o grande heroi do 25 de Abril, finge não liderar o golpe e o Grupo dos Nove reage. Sob a liderança de Ramalho Eanes, as forças militares moderadas saem à rua e dá-se um contra-golpe que neutraliza as forças da esquerda radical. O presidente da República chama Otelo, Rosa Coutinho, o PCP, por um lado, e o Grupo dos Nove e os outros partidos, por outro, e o PCP finge que não tem nada a ver com o golpe de esquerda e acaba tudo em bem… Os tristes dos revoltosos, enganados, sem liderança e sem apoio, entregam as armas.
O PREC acaba nesse dia! E ainda bem! Otelo abandona o COPCON foi preso (e solto três meses depois) e a Democracia recomeça, depois da deriva…
O país acalma e o VI Governo termina o mandato – apesar de Pinheiro de Azevedo ter sofrido um ataque cardiaco um mês antes de ser empossado o primeiro Governo Constitucional, em 23 de Setembro de 1976, chefiado por Mário Soares.

Otelo Saraiva de Carvalho nunca se conformaria com a situação e em 1980 é o principal mentor das FP 25 de Abril, um grupo terrorista de extrema-esquerda, inoperacionalizado apenas em 1987 e que assassinou 13 pessoas, promoveu 66 atentados à bomba e 99 assaltos a bancos e viaturas de transporte de valores. Otelo foi condenado em 1985 e indultado em 1996 por Mário Soares, por todos os crimes de sangue.