Refazer o mapa de freguesias?

A forma categórica como o presidente da Câmara Municipal da Mealhada, em 16 de julho, na Pampilhosa, apelou à mobilização popular contra o que chamou de ataque “furtivo” às freguesias, por parte “do Governo” e do “ocupante”, é sintomático da sensibilidade de um assunto que parece estar a marcar a agenda política portuguesa e que promete grave discussão, se não for tratado com honestidade e, acima de tudo, com muita sensibilidade.
É, de facto, um disparate associar a redução do número de freguesias a uma redução “na gordura” do Estado. É um disparate porque as 4260 freguesias do país em nada contribuem para o défice do Estado, e injetam capital na economia real com muito mais facilidade do que qualquer outra estrutura da Administração Central. Por outro lado, o encargo dos dirigentes – dos autarcas – no Orçamento do Estado é nulo, uma vez que as ajudas de custo que lhes são assistidas saem direta e exclusivamente dos orçamentos das freguesias. É fácil de perceber que a maior parte dos autarcas de freguesia acaba por não receber qualquer compensação – porque gasta muito mais do que recebe e porque prefere que o orçamento da sua autarquia seja gasto em obra do que na sua compensação que é pouco mais do que simbólica. Dificilmente o Governo, ou a Troika – o ocupante, como lhe chamou Carlos Cabral – conseguirão poupar seja o que for com a extinção de freguesias.
Por outro lado, convenhamos que é necessária uma reforma séria no mapa das freguesias em Portugal. Faz sentido haver mais de sessenta freguesia com menos de 100 eleitores? Faz sentido que haja cerca de 1300 freguesias que têm menos de 500 eleitores? Faz sentido que cerca de 53 por cento das freguesias tenham mil eleitores? Faz sentido uma freguesia com 70 km2 – como a de Escalhão, na Guarda? Faz sentido que o concelho de Barcelos tenha 89 freguesias e o de São João da Madeira tenha apenas uma? Faz sentido uma freguesia, como a de Santo António dos Olivais, em Coimbra, ter quase 40 mil eleitores? A verdade é que nada disto faz sentido, e é necessária uma reforma profunda no mapa das freguesias portuguesas, uma reforma que nunca foi feita, dado que há 190 anos se deu a transposição das paróquias religiosas para as freguesias [na reforma administrativa de 18 de julho de 1835] e nunca mais se mexeu no assunto, para além do crescimento exponencial ao sabor de conveniências e oportunidades políticas.

(1787-1858)

O condeixense (de Condeixa-a-Nova) foi o Ministro dos Negócios do Reino que assinou o Decreto, apelidado de “Reforma Administrativa de 18 de julho de 1835”, que converteu o mapa das paróquias religiosas em estruturas civis e políticas também conhecidas como freguesias (freguesia estava para paróquia como concelho está hoje para munícipio, i.e., a freguesia era o território associado à estrutura institucional paróquia). Com esta reforma – que Rodrigo Fonseca Magalhães assinou apenas três dias depois de ter tomado posse como ministro – os concelhos são divididos em freguesias que “surgem pela primeira vez como órgãos administrativos, tendo como órgãos a Junta de Paróquia, eleita, e o Comissário de Paróquia [que a partir de 1836 e até 1976 passaria a chamar-se Regedor], escolhido pelo administrador de concelho de entre três nomes indicados pela respectiva Junta de Paróquia”.

Claro que este tema é mais do que propício ao clima de guerra civil e de espírito de “Maria da Fonte com as pistolas na mão”, porque vai colocar irmãos contra irmãos na célula político-administrativa mais comunitária que existe. E por isso precisa de ser tratado com honestidade intelectual.
Em concelhos como o de Coimbra – por exemplo –, com 31 freguesias, os partidos políticos já começaram a procurar sentar-se à mesma mesa para falar sobre um novo mapa de freguesias. E fazem bem, porque é melhor serem eles a fazê-lo do que um burocrata de Lisboa, de régua e esquadro na mão.
No concelho da Mealhada o problema não é grave. Não há problemas sérios a resolver. Temos oito freguesias e apenas a freguesia de Antes pode levantar algum problema se, e apenas nessa ocasião, for colocada a fasquia da extinção nos 1000 eleitores (a freguesia tem 839 inscritos), o que não parece que seja possível critério cego.
Mas o assunto deve começar a ser debatido internamente, nos fóruns internos locais – nas assembleias de freguesia, na Assembleia Municipal, na Câmara Municipal e nos partidos políticos –, e deve ser gerido, repetimos, com honestidade e sensibilidade.
Esta não é uma reforma necessária por causa da poupança – que não é significativa –, é uma reforma imperiosa por causa da eficiência e da eficácia da resposta politica aos problemas das pessoas e das comunidades.

Editorial do Jornal da Mealhada de 27 de julho de 2011
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