Saudades de um Natal futuro…

Os dias são feitos do que nos
rodeia. São as pessoas que nos circundam que marcam o passo dos nossos
corações. Não somos, não podemos ser, ilhas no oceano da turbulência que
cadencia a multidão a que não podemos ser alheios e na qual não nos podemos
perder nem dissolver. É difícil estar contente – para não dizer feliz – nos
dias de hoje. Vivemos o “Inverno do nosso descontentamento”, e somos uma
espécie de Ethan Hawley – na analogia do romance de Steinbeck – à procura de
uma esperança, humilde e simples, que nos traga a alegria e felicidade de
outrora.

Não há grandes razões para se
estar contente. Haverá, sempre – especialmente para nós que pensamos ser
otimistas – razões para ter esperança. Mas a Esperança é sempre amanhã e a dor
é sempre o presente.

Dizem os peregrinos de Santiago
de Compostela – ou se calhar apenas repetem, nas travessias e nas buscas de
sentido – que “sem dor não há Glória”. Será verdade? E será necessária tanta
dor? E para que glória? Vivemos uma invernia dormente e são muitas as vezes em
que nos sentimos Job no digladiar de testes entre Deus e o diabo. Viveremos nós
um teste? Estaremos a ser levados ao limite para o conhecermos? Fará sentido
este sacrifício?

A verdadeira Esperança não pode
ser a da ilusão de arranjar boas razões para conseguirmos sobreviver a cada
pontada. A verdadeira Esperança precisa de ser alimentada de gestos, de sinais,
de razões, de objetivos para que consigamos sobreviver. Mas cabe-nos a nós
reconhecer esses sinais, esses gestos, e ver neles as razões e os objetivos,
sem esperar que vivam por nós ou que nos digam o que fazer, ou como fazer. Não
é nos outros que está a Esperança. É em nós mesmos. Não é em sebastiões de
nevoeiro que vamos encontrar o futuro. É em nós mesmos. Não é nos governantes
que está a culpa como não é neles que está a saída. Nós somos os sebastiões que
hão-de de nos tirar do nevoeiro, que hão-de resgatar deste Inverno cortante.

Os dias são feitos do que nos
rodeia. E não são felizes os nossos dias se vemos um amigo a sofrer, ou alguém
que nos é próximo a chorar de desespero – mesmo que sem lágrimas, mesmo que sem
discursos ou lamúrias. É impossível estar alegre quando vemos tantos dos que
nos rodeiam sem emprego, sem formas de rendimento, sem ocupação – apenas
focados no que não têm ou não podem ter –, sem objetivos de vida ou de
esperança.

Sempre a Esperança…

Mas a impossibilidade de estar
feliz ou alegre não nos deve desobrigar da missão que temos de dar aos outros o
que eles precisam. E não estamos a falar de dinheiro ou apenas de alimento para
o corpo. Estamos a falar de aconchego, de atenção, de disponibilidade. Dizia
Francisco de Assis – o santo pobrezinho – que “é dando que se recebe”. Porque é
dando aos outros que nós vemos e sentimos a Esperança dentro de nós.

Estamos no Natal e os sinais que
recolhemos do que nos rodeia é que vai ser um Natal esquisito… e sentimos já as
saudades de natais diferentes… longínquos. E já sentimos saudades dos natais
futuros, dos que hão-de vir depois deste inverno.

Mas a verdade é que este pode ser
o Natal perfeito para vivermos a Esperança maior do Amor pelos outros. A
Verdade da entrega aos outros, na disponibilidade, no carinho, nos pequenos
gestos. Mesmo para os que acreditam neste tempo como a memória do nascimento do
Salvador, é fácil perceber que esse Salvador nasceu uma vez e se renasce todos
os anos – como o sol nasce todos os dias – é dentro de nós que isso acontece, é
nos nossos corações pelas nossas ações e gestos. Porque afinal a Esperança
somos nós que a temos e só a vemos quando a entregamos, quando a doamos a
alguém.

Porque nos sentimos rodeados por
uma canção simples – do grupo português Deolinda – somos obrigados a perguntar
“porque é que só nos lembramos dos outros quando chega o Natal?”, “porque razão
é que não damos prendas sem ter um pretexto?”, “o que é que nos move uma vez
por ano?”, “que gratidão é que esperamos dos outros apenas por um dia?”.

A verdade, e concluindo com os
Deolinda: É a Esperança que temos dentro de nós mas só vemos quando a doamos
que “espera o ano inteiro e que tanto anseia a nossa companhia”.

“Um Feliz Natal, não hoje, mas o
ano inteiro”. Já há-de faltar pouco para chegar a primavera.

A redação do Jornal da
Mealhada deseja a todos os seus leitores, assinantes, anunciantes, colaboradores
e amigos um feliz Natal, com abundância, conforto, paz, amor e alegria.
Solidariza-se, também, com aqueles que, por qualquer razão, não podem vivê-lo
desta maneira

Editorial do Jornal da Mealhada de 21 de dezembro de 2011
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