Haveria caminheirismo se não tivesse acontecido a Primeira Guerra Mundial? Acreditamos que não… Conclui-se, portanto, que até de uma catástrofe podem nascer belas obras. Dizia um velho político britânico que um optimista é aquele que vê oportunidades no desastre.

B.-P. quando fundou o escutismo tinha em mente um projeto de valorização dos jovens do Reino Unido que, numa sociedade doente, precisavam de uma motivação e de um método que permitisse tornarem-se exemplares cidadãos do Império Britânico.

Resulta claro que o sucesso do método escutista junto dos jovens levaria, naturalmente, a uma incorporação massiva dos escuteiros nas fileiras do exército de sua Majestade na defesa do país e do Império.

Muitos escuteiros combateram, muitos escuteiros ajudaram na logística – nomeadamente com o serviço de comunicações e recolha de feridos, ou o ‘Scouts Defense Corp’ – e o próprio fundador impulsionou o serviço cívico da juventude em prol do país em esforço de guerra.

Mas as coisas correram de uma maneira bastante diferente da que B.-P. jamais esperaria. A primeira Grande Guerra (quem diria que ainda haveria uma segunda) levou a vida de mais de 19 milhões de pessoas.

Dos vinte rapazes que participaram no acampamento experimental de Brownsea, em agosto de 1907, mais de metade combateu, e cinco deles faleceram em combate, ou de ferimentos. Em qualquer uma das quatro patrulhas pelo menos um dos seus elementos faleceu na guerra.

A avaliação que fez deste momento tão infeliz da história da Humanidade fez o nosso fundador compreender que o Escutismo tinha de ser, assumida e definitivamente, mais do que um movimento de juventude e de cidadania, tinha de ser uma força de promoção da Paz mundial, da Concórdia e da capacidade de construir um futuro pacífico e de fraternidade.

B.-P. ainda antes do fim da Guerra – logo em agosto de 1918 – reage e começa a idealizar uma resposta cabal ao que, não sendo um erro, se terá revelado uma fragilidade. Dessa reação nasce o Caminheirismo – a Fraternidade do Ar Livre e do Serviço -, com um programa educativo fechado em novembro de 1919, e a realização de um acampamento mundial com 8000 jovens em representação de escuteiros de todo o planeta, em 1920: O Jamboree Mundial. Mais tarde, em 1922, o livro ‘Rovering to sucess’ – ‘Caminho do Triunfo’ em português – vem complementar este esforço com extraordinária mestria de B.-P..

Nesta edição da Flor-de-Lis apresentamos um trabalho muito interessante do Nuno Gonçalo Simões e do Diogo Marcelo. Trata-se de um brilhante artigo sobre o Caminheirismo em Portugal – para assinalar a efeméride do 100.º aniversário da fundação do Caminheirismo – que todos deveríamos ler e partilhar.

O nascimento do Caminheirismo acontece como gesto belo e profícuo contra uma adversidade devastadora. Da Grande Guerra nasceu, também, um lindo poema de John McCrae chamado “In Flanders Fields”. Diz o poema que “nos campos da Flandres” – onde se desenrolaram das mais duras batalhas da Grande Guerra – “brotam papoilas entre as cruzes que em fileiras e mais fileiras assinalam nosso lugar”. Como se todos tivéssemos morrido um pouco nestes campos de ódio. Graças a este poema os britânicos assinalam o fim da Guerra, o Armistício, em 11 de Novembro de cada ano, com uma papoila à lapela.

Não conseguimos deixar de associar a papoila e a sua cor, aos caminheiros e ao rubro dos seus lenços. Os caminheiros nasceram como papoilas belas num terreno hóstil. Nasceram como esperança depois da adversidade. E – assim nos parece – é desta memória que pode nascer a mais bela homenagem neste tempo de centenário.   

Nota:

Este texto foi escrito para a Revista Flor de Lis e publicado na edição de Outubro  de 2018 como Editorial.

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De lenço ao pescoço #9447