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Eleições nos partidos? Para quê?
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A existência de vários partidos políticos é condição essencial para o cumprimento dos pressupostos básicos daquilo que se considera ser uma democracia moderna. Com as candidaturas que apresentam, são os partidos políticos que asseguram a possibilidade de escolha nos actos eleitorais. Os partidos políticos são, por definição, a grande escola para as pessoas que se apresentam a sufrágio. Devem ser os partidos políticos — assim gostaríamos — a grande forja da modernidade, onde se moldam as principais estratégias do progresso e do desenvolvimento sustentado das comunidades.
No nosso país, a deterioração moral e programática dos partidos políticos foi utilizada, em momentos de grande conturbação social, como justificação para mudanças políticas e para a implantação, até, de novo regime. Foi isso que aconteceu em várias ocasiões ao longo do século XIX. Terá sido uma das causas do fortalecimento do Partido Republicano, em contraposição com os partidos monárquicos, e da queda da Monarquia. Foi essa a razão que levou a que a população não se opusesse ao movimento militar de 28 de Maio de 1926 e à implantação da ditadura militar que se lhe seguiu e da qual resultaria o regime político denominado Estado Novo.
Acompanhar a vida dos partidos políticos acaba por ser uma forma de vigiar a vitalidade da democracia. E a vigilância não tem provocado grande tranquilidade.
Enquanto no Reino Unido (Grã-Bretanha e Irlanda do Norte) o tradicional e secular bipartidarismo — com os partidos Conservador e Trabalhista — tem vindo a dar lugar a um novo espectro partidário, com o crescimento do partido Liberal-Democrata — já com representação parlamentar —, de partidos regionais nacionalistas e de partidos anti-europeus, em Portugal passa-se exactamente o contrário. As duas forças políticas do chamado Bloco Central (PS e PSD) criaram uma lei dos partidos que extinguirá agrupamentos partidários com menos de cinco mil militantes — como se a militância, e não o peso eleitoral, fosse o melhor parâmetro de valorização de um partido político. Por outro lado, a mesma aliança estará a preparar uma nova lei eleitoral das autarquias locais, já aprovada na generalidade pelo Parlamento, que frustrará todas as expectativas daqueles que esperavam uma alteração a bem da operacionalidade, da modernidade, da democracia.
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Na Mealhada, com eleições marcadas para os órgãos concelhios do Partido Socialista e com a demissão recente da comissão política concelhia do PSD, que uns desmentem mas que o Jornal da Mealhada confirma, teremos, nos próximos meses, o tiro de partida para a corrida das eleições autárquicas de Outubro de 2009. A tradição política concelhia é de bipolarização do espectro partidário nos órgãos executivos das autarquias locais, pelo que, é dos dois partidos referidos que provirá o novo presidente da Câmara Municipal. Será este um bom momento para pormos, colectivamente, a questão: O que se pretende de uma estrutura concelhia de um partido político, nos dias de hoje?
No Partido Socialista há já duas candidaturas para a comissão política concelhia da Mealhada. No PSD, apesar de poder ainda considerar-se prematuro analisar o assunto, sabe-se, há muito tempo, que se apresentarão a sufrágio pelo menos duas candidaturas — e há possibilidade de uma terceira. O que divide os militantes destes partidos a ponto de haver a necessidade de se encorporarem em várias candidaturas? Serão questões programáticas ou ideológicas? Serão diferenças em relação a um modelo de desenvolvimento concelhio? Ou serão visões diferentes sobre a pessoa que consideram ser a melhor para encabeçar a lista do seu partido candidata à Câmara Municipal? Trata-se, portanto, de dois actos eleitorais que funcionarão como uma espécie de eleições primárias para a presidência da Câmara.
No Partido Socialista, Rui Marqueiro defende que o candidato à presidência da Câmara será quem — o próprio Marqueiro ou Carlos Cabral — estiver, em sondagem a realizar para o efeito, na melhor posição para ganhar. Valerá a pena os apoiantes de Cabral se candidatarem à comissão política? Naturalmente que fará sentido, no caso de saírem derrotados, garantirem que a palavra de Marqueiro será mantida até final do processo. De qualquer maneira o nome do candidato socialista só será conhecido no próximo ano.
No PSD, a equipa de Carlos Marques decidiu provocar eleições e, segundo sabemos, os seus elementos podem vir a alinhar em mais do que uma candidatura. Para além destas devem ir a jogo as várias facções que se têm formado ao longo dos anos — umas há mais tempo, outras mais recentemente. Cada facção tem candidato à Câmara e a eleição de uma delas significará, mais ou menos declaradamente, a escolha desse candidato. O nome do candidato do PSD será, por isso, conhecido a breve trecho. Este facto pode, a nosso ver, penalizar o partido laranja, mas será inevitável.
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Em tese, não é negativo considerar estes actos como eleições primárias. Mas deverá um partido político limitar-se a ser uma comissão de candidatura? Os seus membros querem ser eleitos para quê? Não interessa o que vão fazer? Interessa unicamente ser eleito no partido no sentido de depois o ser para a Câmara? Onde ficará a tal forja da modernidade na qual se moldam as principais estratégias do progresso, do desenvolvimento sustentado do concelho? Basta lutar pela eleição da cabeça de uma facção ou pela vitória de um projecto político válido para o futuro?
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Publicado no Editorial do Jornal da Mealhada de 13 de Fevereiro de 2008