[477.]
Meritocracia no magistério

O carácter tendencialmente gratuito, universal e democrático do Serviço Nacional de Educação, assim determinado pela Constituição da República, tem subjacente a ideia de estabelecimento de uma meritocracia. Tendo todas as pessoas acesso à Educação, sem limitações económicas, geográficas, sociais, políticas ou outras, só o mérito e as capacidades intelectuais de cada indivíduo permitiriam diferenciar umas pessoas das outras. Assim sendo, seria fácil identificar os melhores e mais bem preparados para assumir posições sociais de liderança ou estabelecer uma diferenciação positiva dentro de cada comunidade.

Apesar do que estabelece a Constituição a verdade é que a Educação em Portugal não é gratuita, longe disso. Não é universal, no sentido de todas as pessoas terem acesso à Educação de melhor qualidade. Não é democrática, porque nem todos usufruem de um serviço de Educação em igualdade de circunstâncias ao nível da qualidade das infra-estruturas e da qualidade dos professores.
Valores como o da disciplina, o do rigor, o da exigência, o do sacrifício, o da competitividade, o da avaliação, por exemplo, estarão ausentes da escola pública portuguesa? Há pais, por exemplo, que entendem, da interpretação que fazem da Constituição da República, e da avaliação que fazem da escola pública, que o Estado tem a obrigação de co-financiar a educação dos alunos portugueses que estudam em escolas privadas. Garantem ter direito à liberdade de escolha do estabelecimento de ensino que os filhos devem frequentar. Consideram que este seria o único caminho para terem, verdadeiramente, acesso à Educação de qualidade.
Atentemos, por exemplo, no valor da avaliação na escola pública. Entendemos — já aqui o dissemos — que os alunos portugueses, nos níveis de ensino secundário e superior, quando colocados em situações de avaliação de conhecimentos, através de provas escritas ou orais, não estão preparados psicologicamente para serem avaliados. Perdeu-se em Portugal a cultura da formalidade do exame, da ritualidade de prestar provas e, consequentemente, da preparação psicológica para tal. Os alunos estão demasiado nervosos porque não aprenderam, desde tenra idade, a estar sujeitos à avaliação. São incapazes de se auto-avaliarem. Reagirão depressivamente quando, na vida profissional activa, por não serem capazes de viver em regime de competitividade nos seus empregos, por falta de resistência aos problemas que vão surgindo no desempenho das suas funções.
De que modo poderemos incutir o valor da avaliação nos nossos alunos se são os seus avaliadores, os seus professores, que recusam, na rua, estar sujeitos à avaliação?
Têm razão os professores que entendem que um sistema de avaliação dos docentes deve dar garantias de transparência. Que deve estar blindado em relação à vingança ou à represália de alunos descontentes ou de pais revoltados. Que deve estar blindado em relação à interferência da força do cartão de militante do partido do poder ou das oposições, ou da filiação num determinado sindicato. Mas os professores da escola pública têm de ser avaliados. E os maus professores, os que não são capazes, devem ser afastados das funções lectivas.
O ofício de professor é um magistério, no qual a sociedade deposita confiança. Confia a esse magistério a preparação teórica, prática e, de certa maneira, moral das crianças, dos adolescentes e dos jovens, muitos deles futuros líderes nos vários campos da vida social. Sabe-se que há demasiadas pessoas a sair das universidades e institutos politécnicos com a expectativa de se tornarem professores. Sendo certo que o número de crianças em Portugal está a diminuir, é fácil perceber que há condições para que se estabeleça um sistema próximo do da meritocracia para o ofício de professor da escola pública e daquelas que se prezam por garantir qualidade de ensino. Sistema que permitiria ao país avançar substancialmente nos índices de desenvolvimento humano, de qualidade de vida, de competitividade, de progresso económico e político.
A valorização do professor não se fará através da sobrecarga com tarefas que ele deve realizar, ou da criação de uma imagem dele como funcionário acomodado, preguiçoso e com falta de arrojo.
Quando o primeiro-ministro substituiu um ministro, não porque fosse incapaz, mas porque era grande a contestação de que era alvo, terá criado nos portugueses a convicção de que os ministros estão sustentados por uma espécie de “contestatómetro”. Quando a contestação for muita o ministro cai. Os professores estão convencidos de que, na rua, farão cair a ministra da Educação. E que já não deve faltar muito. Acreditamos que a ministra até pode estar para cair, mas a valorização do magistério, do ofício do professor, não se faz nas ruas a cantar protestos e a dirigir insultos aos governantes. Palavras e expressões que as crianças, suas alunas, repetem, no dia seguinte, no recreio, durante as suas brincadeiras…
Editorial do Jornal da Mealhada de 12 de Março de 2008