Há locais que são mais que espaço físico. Povoam o imaginário pessoal, a história das nossas vidas, e foram o tabuleiro dos jogos, das travessuras e das brincadeiras da nossa infância. Olhar para o espaço físico onde sentimos as camadas da nossa própria história é uma visão de nós mesmos.

Pouco depois de ter nascido, com poucos meses de vida fui viver para a casa pré-fabricada da ladeira do “Pedro”, hoje, Rua Alvaro Pedro, em Sernadelo. Foi ali que vivi até aos 14 anos. E o restaurante era o prolongamento da minha casa, apesar de haver espaços onde eu só entrava com autorização superior.

Sou sobrinho-neto de Alvaro Pedro – lá em casa conhecido como “o padrinho”. A esposa, “a madrinha Eulália”, conhecida em Sernadelo como a “Maria da Emília”, era irmã do meu avô Hilário. Foram “os padrinhos” que ajudaram os meus pais numa altura particularmente dificil do inicio da vida da nossa recem criada família e sempre me trataram com especial carinho. O restaurante nunca foi o “Pedro”. O restaurante – aquele espaço – era, é ainda hoje, na linguagem das meias palavras que têm as famílias, pura e simplesmente, o restaurante.

O meu avô Hilário foi uma personagem importante na criação daquela casa. Na transformação de um pequeno comércio de bomba de gasolina num restaurante de topo, na casa referência da Mealhada, como a “Sala de Jantar da Europa”. Não começou a trabalhar lá no inicio da casa, e não esteve lá tanto tempo como muitos dos seus cunhados e de quase todos os seus sobrinhos. Mas ainda hoje, no património dos sentimentos do imaginário daquela casa, o ti’Hilarito é figura mítica. Uma figura de que me orgulho muitíssimo.

Hoje, quando vi o panorama de destruição na zona interior, no coração do restaurante, fiquei incomodado e emocionei-me ao ver a tristeza das pessoas para quem aquele espaço é o ganha-pão. Pessoas, umas meus familiares, sangue do meu sangue, outras quase isso – algumas que ainda me saúdam com um “bom-dia menino” -, com quem não posso deixar de me solidarizar num momento de incerteza, de dificuldade e de muita, muita, mesmo muita angústia.

Que a Força os ilumine, os ajude e nos ajude a nós todos para que os possamos consolar, apoiar, e fazer acreditar que em cada porta que se fecha, há outra que se abre. A crer na máxima do optimismo – esse sentimento tão necessários nos tempos de hoje – de que uma catástrofe é, sempre, uma oportunidade. Ou como dizia Inácio de Loyola: “Uma desgraça é sempre uma oportunidade para outras Graças”.

Recomeçar, reconstruir, reerguer o sonho antigo de um homem como Alvaro Pedro – que foi um génio e, acima de tudo, um visionário, que certamente teve sucessos e fracassos – é um legado, é a herança. Uma reconstrução que permitirá resolver problemas antigos, inovar, fazer a diferença, ir mais além, construir o futuro.

Força. Muita Força. Estarei disponível para ajudar, sempre.
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