Para alguns dos que votaram no domingo em André Ventura, o Chega não tem de ganhar, nem pode ganhar. Ventura é o instrumento necessário para fazer ‘chocalhar’ o regime e mudar o estado de coisas. Mas dei por mim a pensar – olhando, apenas, para os resultados eleitorais, analisando, apenas, números absolutos:

  • Votaram nestas eleições menos 478.741 pessoas do que há cinco anos. Aproximadamente menos 1 milhão do que as pessoas que votaram nas últimas legislativas e menos 900 mil do que as que votaram nas últimas autárquicas. Esta participação, sendo baixa, em tempo de pandemia é absolutamente histórica. Houve um número muito significativo de pessoas que não votaram porque tiveram medo de se contaminar, outros porque não compreendem a razão pela qual o confinamento é interrompido e as eleições não foram adidas.
  • Mas, mesmo assim, o Marcelo teve mais 122.200 votos do que há cinco anos.
  • A Marisa Matias teve menos 304.836 votos do que há cinco anos.
  • O candidato do PCP teve menos 2.525 do que há cinco anos.
  • Ana Gomes teve menos 716.574 do que, há cinco anos, tiveram Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, somados. Assumindo que estes eram os dois candidatos do PS, há cinco anos, e que agora Ana Gomes também o era. Não somo aqui 38 mil votos do Henrique Neto, há cinco anos, e que também é da área socialista.
  • Vitorino Silva teve menos 30 mil votos que há cinco anos.
  • E Mayan teve mais 10 mil votos que o conjunto dos candidatos portuenses e liberais tiveram há 5 anos – Paulo Morais, Jorge Sequeira e Cândido Ferreira.
  • Nunca se saberá, portanto, se os 496.661 votos que conquistou o Ventura vieram da esquerda que perdeu votos, se vieram dos que normalmente votavam PSD e que entretanto deixaram de votar Marcelo, e que os socialistas compensaram votando Marcelo… Ou se vieram da abstenção mais revoltada. São situações que nunca se saberão…
  • Mas vejamos:
    • Estas eleições foram muito polarizadas, das mais polarizadas, a mais polarizada numa reeleição presencial. Chegámos a ter uma lógica dos Democratas contra os Fascistas, em todas as conversas de café, de whatsapp, de facebook, TV e rádio. 
    • Nesta polarização – sendo adquirido que Marcelo iria ganhar – seria de pensar que o voto que derrotaria o Sistema seria em Ventura e o voto que derrotaria o Ventura seria em Ana Gomes e, eventualmente, em Marisa ou João Ferreira. Mas se a ameaça de Ventura era demitir-se se perdesse para Ana Gomes, a lógica seria votar nela para o derrotar a ele.
    • O Grande responsável pela polarização foi Ventura. Pareceu uma estratégia que se mostrou absolutamente ganhadora.
    • As pessoas mobilizaram-se para votar, porque se assim não fosse teríamos tido muito mais abstenção.
    • Ora acontece que os resultados mostram uma coisa totalmente diferente do que seria de esperar:
      • Todos os candidatos que estariam no pólo anti-Ventura perderam votos. Alguns deles perderam muitos votos.
      • O voto anti-Ventura concentrou-se no candidato do Sistema: Marcelo Rebelo de Sousa. O voto anti-Ventura concentrou-se na Estabilidade desse Sistema. Houve um reforço dos votos daqueles que quiseram dizer: “Está bem assim!”.

Tudo isto me leva a crer que o papel de André Ventura, ao agitar as águas não se está a consubstanciar numa polarização entre qual das Revoluções prefere o Povo – se a da Direita Securitária se da Esquerda Fraturante, como seria de esperar -. Mas entre a manutenção do Status Quo e a Revolução à Direita. O que obrigaria os moderados a optar pelo Status Quo… 

Nas próximas Legislativas, se André Ventura insistir nesta polarização e se Rui Rio não se demarcar da possibilidade de formar Governo com o apoio do Chega para derrotar a Geringonça, vamos ter os moderados a sentirem-se impelidos a manter António Costa (foi isso que fizeram agora). Ventura, como Eanes e Hermínio Martinho em 1987, estão no caminho certo para – ao invés de Chocalhar, de abanar o sistema, oferecer de bandeja uma maioria absoluta ao PS e a António Costa. Provavelmente a primeira a acontecer na terceira eleição seguida… Ventura, com o discurso dos do Bem e dos do Mal que qualquer pessoa abomina, pode estar a ajudar o PS a eternizar-se no poder.  
[2472.] ao #15282.º