Ao som de «Gotinha d’ Água», por António Zambujo

[2516.] ao #15693.º

Na casa de Medelim há um azado. Sempre houve um azado na cozinha da casa de Medelim.
Eu era muito garotinho pequenino e achava um piadão ao ritual de colocar a caneca e a retirar com água, e derramá-la num copo para só depois a beber. Um ritual que se cumpria… nunca se beberia água da caneca de metal.
Lembro-me de a avó Alice garantir que a água no azado estava sempre fresca. Parecia-me estranho… não percebia a lógica… era verdade, mas parecia-me um daqueles mitos rurais que se respeitam… Só muitos anos depois, nas aulas de Física do professor Leuscher percebi a ciência oculta no mito respeitado.
Mas o melhor do azado era um outro ritual, quase secreto e muito mais oculto… Depois do serão na frente da casa dos tios espalhados pela aldeia, na noite profunda do Verão, pela fresquinha de um casario deserto, eu e o meu avô descíamos à Lameira, ao Chafariz, de cântaro de plástico azul, buscar a água para o azado… sozinhos.
E no caminho, as conversas mais importantes… O que faríamos no dia seguinte, os graus de parentesco na nossa família, as histórias da História da aldeia (uma espécie de Quem é Quem local), ou simplesmente como é que se conjugava o verbo ‘Ir’ na segunda pessoa do plural… ou porque é que nesta terra toda a gente tinha uma alcunha e o pronome ‘vosso’ ou ‘nosso’ como a forma de os meus avós se referirem aos cunhados ou aos irmãos…
Na casa de Medelim continua a haver um azado. Sempre haverá um azado na cozinha da casa de Medelim.
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