Obrigado, professor

MANUEL ALMEIDA DOS SANTOS

(30.04.1933 – 09.07.2001)

Este espaço do Editorial do Jornal da Mealhada de hoje, 13 de julho, devia ir em branco. Não há vontade para escrever nada.
A morte do professor Manuel Santos causa-nos um vazio muito grande no peito e dá a impressão que nada disto faz sentido, agora que ele já não nos vai ler… O espírito humano tem destas coisas. A dor da morte dos que amamos, mata-nos um bocadinho.
Na última conversa que tive com o professor Santos, há algumas semanas, falei-lhe da teoria de Ernest Gombrich, que diz que a história do mundo é como um escuro poço, do qual nós não vemos o fundo, mas que vamos reconstruindo no nosso intelecto com o que nos é narrado pelos que viveram antes de nós, e viram outras coisas. Concluía eu com a sentença de que cada vez que alguém morre sem nos contar tudo o que viu enquanto viveu, morre, também, um bocado da história do mundo.
E na madrugada de sexta-feira para sábado morreu uma fatia grande dessa história do mundo, na nossa comunidade. Manuel Santos era alguém que tinha o dom de ensinar, de instruir, de formar. Eu considero-me um dos seus discípulos e nestes dias que passaram desde a notícia da sua morte, não deixam de aparecer na minha cabeça frases, teorias, histórias, regras… que o professor Santos me foi dando ao longo dos mais de 25 anos que com ele lidei.
O professor Santos foi o meu primeiro entrevistado, em 1988, quando a minha professora primária, a D.Eugénia Dias, me mandou fazer uma reportagem sobre a história da Escola de Sernadelo. Ao longo da minha infância, como a minha mãe trabalhava no jornal, eu passava as tardes a fazer os trabalhos de casa na redação. Umas vezes ajudado pelo professor Armindo Pega, outras vezes pelo professor Santos. Ensinou-me tantas e tantas coisas, desde essa altura. “Nunca deves perguntar a alguém se está a perceber! Se o fizeres estás a insinuar que a pessoa é estúpida! Não te custa nada se perguntares: Estou-me a fazer entender?”. E tantas outras coisas que só a ausência agora faz lembrar.
Tive a honra de suceder ao professor Santos no cargo de diretor do Jornal da Mealhada. Saiu em janeiro de 2005, tirou umas férias e dois meses depois – com a humildade dos grandes mestres -, acompanhava-me num périplo de entrevistas aos presidentes de junta de freguesia do concelho da Mealhada e ao presidente da Câmara. Dava-me, assim, a mão, na minha prova de fogo. Foi-me ajudando e aconselhava-me sempre que lho solicitava e de modo generoso, sempre generoso.
No dia em que o Padre Abílio morreu, o professor Santos sabia que eu ficava desamparado e ofereceu-se para vir ao jornal ajudar-me. E eu agradeci. Durante os dois anos seguintes passou as segundas-feiras na redação, com grande sacrificio. Das últimas vezes ao entrar na porta do jornal citava Dante, na Divina Comédia, e declamava a inscrição na Porta do Inferno: “Abandonai toda a Esperança vós que entrais!”. Mas o professor continuava a vir e a ajudar.
Já há uns meses que dizia que eu já conseguia voar sozinho, mas, mesmo sem vir à redação, lia-me os editoriais antes de serem publicados. Das últimas vezes já não corrigia nada e mostrava-me que eu já sabia voar sozinho… Entretanto começou a cruzada pela saúde e as proibições: Não nos queria no Hospital, nem queria lamechices. Era teimoso e bruto, o professor! Não havia quem o dobrasse, quando achava que tinha razão. No sábado soube-se que partiu. Não queria funeral, não queria lágrimas. Ah, e não queria noticia no jornal, nem anuncio na Necrologia. Como se fosse possível! Como se fosse justo! Contrario-o, em consciência, com o que sempre me ensinou: “Se tens o dom, tens de o pôr ao serviço dos outros!”. Um dos dons que tenho é o de ter podido ser discípulo de um homem desta envergadura. E a minha obrigação hoje, é dar testemunho de um homem invulgar, de uma alma grande, de um homem bom!
“Obrigado, senhor professor” – dizia eu todas as madrugadas de segunda-feira. “Não precisas de agradecer, Nuno!… Quer dizer, é a tua obrigação agradeceres e por isso agradece! A minha obrigação é dizer que não tens nada que agradecer, que te ajudo porque gosto de ti! Mas tu deves continuar sempre a agradecer!… Até amanhã companheiro!”, respondia. “Até amanhã, senhor professor!”.

Editorial do Jornal da Mealhada de 13 de julho de 2011
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